A
idéia que temos hoje de trabalho foi construída ao longo do tempo e ainda hoje
sofre mudanças. A palavra trabalho deriva do latim, tripalium, que é o nome dado para um instrumento de tortura; talvez
por isso, para os romanos, o trabalho significava dor. Na civilização grega,
semelhante ao que acontecia em Roma, o trabalho não tinha valor para as
pessoas. Na Grécia o trabalho servia apenas para suprir as necessidades básicas
como alimentação, vestimentas, comércio, entre outras necessidades e, para
alcançar tudo isso o trabalho era realizado, mas só pelos escravos.
No decorrer da história da civilização o trabalho foi alcançando o seu
valor atual, mas por muito tempo ficou designado apenas para pessoas de baixa
renda, escravos e jamais para os nobre da Idade Média. Atualmente, porém, o
trabalho é visto de diversas formas, há quem o veja como necessidade, como
castigo, como bênção. Mas é inquestionável o valor que ele tem para o sujeito,
independente do significado que venha a ter. E é indispensável a idéia de que o
trabalho é um “instrumento através do qual o homem dialoga com seu meio social
e com o seu tempo” ( autor
do artigo O papel do trab na construção da id do trabalhador).
Atualmente o trabalho é visto como um elemento de fundamental importância para
a integração das sociedades.
A mudança de visão acerca do trabalho foi muito influênciada pela idéia
de que ele seria um instrumento para a obtenção de liberdade. Liberdade para
ter decisão de “iniciar, regular e controlar as relações materiais entre si
próprio e a natureza [...] logo, ao atuar no mundo externo e ao modificá-lo ele
muda, ao mesmo tempo, a sua própria a sua prórpia natureza” . Todo essa falsa idéia de liberdade
fez o homem valorizar o que antes não tinha valor algum. Falamos em falsa
liberdade, pois ao lermos as idéias de Enriquez, em seu texto Perda do trabalho, perda da identidade
vimos que essa liberdade traz consigo um paradoxo, pois ao mesmo tempo que
alguns podem ser livres para decidir, outros vão ser “obrigados” a trabalhar
para “pagar” essa liberdade.
O que supomos é que hoje, a importância do trabalho é reconhecida muito
por causa da importância do social na vida das pessoas. Antigamente não havia
uma preocupação com o grupo, com a sociedade; e o trabalho veio para distinguir
a passagem entre aquele homem que trabalha, inserido e preocupado com a sociedade
como um todo, um ser social, e aquele meramente biológico. Segundo o autor
Arendt o “trabalho cria o homem” e “sua humanidade é resultado de sua própria
atividade” (ARENDT, p.48 apud ). Ainda
nos deparamos com a idéia de que “através do trabalho, o ser homem se distingue
do ser dos animais e do ser das coisas: o sujeito humano passa a poder assumir
como sujeito em contraposição ao objeto. Através do trabalho, o homem não só se
apropria da natureza como se afirma e se expande, se desenvolve, se transforma,
se cria a si mesmo” (KONDER, p.11 apud ).
Hoje em dia se pensa em realização profissional, em realização pessoal,
em poder consumir produtos, em ter uma vida social, em pagar impostos, e todos
esses pensamentos são perpassados pela falada profissão, trabalho, tarefa,
emprego. Diariamente escutamos essas palavras e, em muitas vezes, elas são
utilizadas com o mesmo significado, mas é importante destacarmos, por exemplo,
a diferença entre trabalho e tarefa. O autor Wanderley Codo nos fala que
“trabalho é o ato de dupla transformação entre o homem e a natureza, na medida
em que cria de forma perene uma ‘hominização’ do seu prórpio meio. Tarefa, é o
serviço executado a soldo; não se pergunta sobre a importância, sobre o
significado, ou melhor, seu único significado é exatamente este: deve ser
feita” (CODO, p.236 apud ).
Já a palavra emprego serve para designar uma tarefa a ser feita, que gera uma
remuneração fixa, mesmo que esta não satisfaça.
Além das mudanças relacionadas ao seu significado, o trabalho passou,
também por modificações quanto às suas relações, as relações de trabalho. No
início da Revolução Industrial a grande classe trabalhadora exercia uma
atividade, predominantemente, manual que exigia um grande esforço físico. Com o
decorrer da Revolução, essas relações sofreram modificações, nas quais podemos
identificar três fortes características. A primeira foi a heterogeneização que
aconteceu a partir do momento em que a mulher precisou buscar trabalho para o
sustento da família, dessa forma o autor Ricardo Antunes, em seu livro Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, classifica “a classe-que-vive-do-trabalho é tanto
masculina como feminina. É , portanto, também por isso, mais diversa,
heterogênea e complexificada” (ANTUNES, 1997, p.46). A partir dessa citação
podemos identificar a segunda característica, a complexificação, que foi
exatamente a mudança do trabalho que era essencialmente manual para o trabalho
mais “intelectualizado”, ou seja, o mercado passou a exigir, cada vez mais, qualificação do trabalhador. E por
último ocorreu a fragmentação, fator desencadeado pela terceirização do trabalho, influenciado pelo crescimento do
denominado “setor de serviços”, em que o trabalhador oferta os seus serviços de
forma indireta e geralmente temporária, sendo em muitas vezes dos casos
precário, vinculados com a “economia informal”, e essa perda do vinculo entre
empresa-trabalhador, faz com que muitas vezes os direitos trabalhistas sejam
reduzidos e até mesmo negados.
Ricardo Antunes, fala das transformações sofridas no mundo do trabalho
como algo que afetou os trabalhadores, não somente materialmente, mas também
subjetivamente. Ele ainda fala que “essas mudanças repercutem na forma de ser da classe-que-vive-do-trabalho”
(ANTUNES, 2000, p.103). As mudanças são vistas, inclusive, em termos de saúde e
doença, o autor Rames Mattar diz que é “sintomático que nas últimas décadas
tenha aumentado expressivamente o número de moléstias profissionais”
(MATTAR,p.17 apud ).
Interessante atentar para a análise de que essas doenças podem ser vistas como
sociais e não meramente biológicas e individuais. O trabalho se desenvolveu de
forma tal, que a cobrança social por esforço, pode gerar sobrecarga sobre o
trabalhador, podendo “ajudar” no surgimento de alguma doença, neste caso,
socialmente desenvolvida.
As mudanças no mundo do trabalho influenciam também na construção da
identidade do indivíduo e como ela passa a ser compreendida socialmente. Antônio
Ciampa no seu livro A história de
Severino e a estória de Severina, traz uma importante idéia sobre
identidade vista de forma psicossocial, nesta linha, a identidade tem o
caráter de metamorfose, ou seja, as mudanças ocorrem constantemente, o que, entretanto,
não aparece. A aparência da identidade é de algo que não muda. A identidade,
para a psicossocial, pressupõe a realidade social na qual o indivíduo está
inserido. Revela uma condição de vida, estrutura familiar, religião e costumes
da pessoa. No entanto, sabemos quem é a pessoa, não apenas por sua definição,
mas por suas atividades. Esta é a principal construção da identidade.
Mas a identidade pode ainda ser definida como
sendo um conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma determinada pessoa.
Este conceito, entretanto, está ligado às atividades da pessoa, à sua história
de vida, ao futuro, sonhos, fantasias, características de personalidade e
outras características relativas ao indivíduo.
A identidade permite que o indivíduo se perceba
como sujeito único, tomando posse da sua realidade individual e, portanto,
consciência de si mesmo. A identidade não é só o que a pessoa aparenta, ela
agrupa várias idéias como a noção de permanência, de pontos que não mudam com o
tempo. Algumas destas características imutáveis são o nome da pessoa,
parentescos, nacionalidade, impressão digital e outras coisas que permitem a
distinção de uma unidade. A identidade depende da diferenciação que fazemos
entre o “eu” e o “outro”. Passamos a ser alguém quando descobrimos o outro
porque, desta forma, adquirimos termos de comparação que permitem o destaque
das características próprias de cada um.
As diversas abordagens têm opiniões
diferentes a respeito da possibilidade de mudança da identidade ao longo da vida
de uma pessoa. Para a psicanálise, o sujeito só pode se definir a partir de sua
relação com os pais. O sujeito é produto da relação de amor e identificação com
os eles. A criança disputa o amor de um dos pais, buscando identificação com o
modelo que o outro representa. Segundo esta abordagem, o sujeito introjeta as
identificações infantis e, através delas, vai formando sua identidade,
diferenciando-se dos outros e possibilitando que a sociedade
possa reconhecê-lo como sujeito.
Se
observarmos a sociedade em que vivemos, poderemos concluir que o trabalho tem o
“poder” de humilhar uma pessoa, transformá-la em heroína, impedir de alguém se
realizar como cidadão e, como já foi dito anteriormente, ajuda a construir uma
auto-imagem e uma identidade positiva ou negativa. Supomos que a formação de
uma identidade positiva seja algo mais simples de se exemplificar, uma vez que
para vermos melhor a formação de uma identidade negativa, temos que partir para
a análise de uma situação de não-trabalho. Ou seja, por conta de tanta
importância dada ao trabalho na vida das pessoas, somente a partir do
não-trabalho é que podemos analisar as conseqüências de ser, por exemplo,
desempregado.
Dessa
forma, iremos analisar o exemplo de uma proposta do Instituto de prevenção à
desnutrição e a excepcionalidade, IPREDE, que idealizou o projeto: Mãe
Colaboradora. Neste caso falaremos de um trabalho não-alientante, ou seja, o
trabalho fora dos primeiros moldes da Revolução Industrial. Iremos nos referir
ao trabalho em que o trabalhador tem consciência do motivo e de todas as etapas
do desnvolvimento do seu trabalho. E além disso o objetivo deste, não é apenas
a remuneração, mas estar engajada em um serviço.
Falamos
engajada, pois o projeto se direciona às mulheres que, como falamos
anteriormente, precisou sair de casa e ir a procura de um emprego; mas o que
queremos destacar é que além desse motivo, essas mulheres buscaram não somente
se inserir no mercado de trabalho, como também objetivavam obterem um papel
social diversificado, para se sentirem ativas.
BIBLIOGRAFIA
JACQUES, Maria da Graça Corrêa. Doença dos nervos: o seu trabalhador como efinidor da identidade
psicológica. In: JACQUES, M.G et alii. Relações
Sociais & éticas. Porto Alegre: ABRAPSO, 1995.
CIAMPA, Antonio. A
história de Severino e a estória de Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Cristiano Lima