INTRODUÇÃO
A
instituição escolhida foi à Casa da Esperança e foi fundada no início dos anos
90, e em pouco tempo se transformou em uma entidade modelar, sendo hoje, uma
referência nacional e internacional em sua área de atuação, onde se destaca
pela excelência dos serviços prestados, por sua contribuição ao campo do
conhecimento e por seu compromisso com a luta pela dignidade das pessoas com o
espectro de autismo. A casa da esperança atende atualmente a cerca de 350
pacientes, em regime de 4 ou 8 horas/dia, o que a torna a maior instituição no
atendimento a autistas do Brasil e uma das maiores do mundo.
Muitos
são os termos que o senso comum emprega: “deixa de ser autista menina”, “vem
pra cá, está parecendo um autista”. Mas se formos perguntar se realmente sabe o
que é autismo, a resposta será “não”. Tendo em vista esse senso comum,
escolhemos à Casa da Esperança, para conhecer mais sobre essa síndrome e para
tirarmos nossos pré-conceitos.
Nosso
objetivo geral é fazer uma pesquisa etnográfica na instituição conhecendo
o trabalho feito com os autistas. O objetivo específico é observar dentro de um
espaço de convivência o estabelecimento e orientação da socialização.
Nos
próximos capítulos vamos mostrar a metodologia usada para a realização da
pesquisa, explicando o estudo etnográfico, iremos falar mais sobre a instituição
observada e de seu método de trabalho SCERTS. No capítulo de desenvolvimento,
separamos por tópicos os assuntos vistos. No primeiro tópico iremos falar sobre
a síndrome do autismo, explicando a onde foi denominado o nome. No
segundo tópico iremos mostrar nossas visitas em campo, falando de nossas
perspectivas em relação à instituição. Já no terceiro tópico dividimos em três
sub-tópicos, falando do autismo X as disciplinas estudadas. Nesse tópico vamos
relacionar o assunto visto nas observações com os assuntos estudados em sala de
aula. Depois iremos falar rapidamente as considerações finais e no final do
trabalho estarão anexados a entrevista feita com o psicopedagogo e os diário de
campo.
METODOLOGIA
Nosso
trabalho partiu do método etnográfico que se define como uma forma de
observação participante, caracterizado por uma interação intensa entre o
investigador e o sujeito. Segundo George Lapassade (2001) a expressão,
“observação participante” tende a designar o trabalho de campo no seu conjunto,
desde a chegada da investigadora ao campo da investigação, quando inicia as
negociações que lhe darão acesso a ele, até ao momento em que o abandona,
depois de uma estada longa. Enquanto presentes, os observadores imergirão
pessoalmente na vida dos locais, partilhando as suas experiências.
O
método etnográfico tem três princípios: 1) naturalismo, que é compreender o
comportamento humano, conseguido através de um contato direto. 2) Compreensão é
capaz de explicar as ações humanas compreendendo as perspectivas culturais,
pretendendo estudar situações mais familiares. 3) Descoberta, essa concepção é
capaz de investigar como num processo indutivo ou baseado na descoberta. As
suas hipóteses são importantes para alguns fenômenos sociais tendo como foco concentrar-se
e tornarem-se mais precisos. É bom destacar que o método etnográfico considera
essas três idéias como sendo resultados importantes e não pré-requisitos para a
investigação.
Partindo
desse método, escolhemos a Casa da Esperança para conhecer sobre o trabalho
feito com os autistas. Sendo o autismo uma síndrome denominada na década de
quarenta, de “distúrbio autístico do contato afetivo” pelo psiquiatra
austríaco, Leo Kanner. Ele observava na clínica que algumas crianças não se
classificavam em nenhuma das patologias na psiquiatria infantil, mas percebia
que eram inteligentes e possuíam capacidade excepcional de memorização, porém
eram incapazes de estabelecer contatos afetivos e a linguagem era caótica,
ecolálica (uma repetição, um eco das últimas palavras que chegam ao ouvido do
paciente ou de partes de uma frase que escutam ao acaso) e sem sentido.
A
Casa da Esperança foi fundada no início dos anos 90, pela médica pediatra
Fátima Dourado, em pouco tempo se transformou em uma entidade modelar, sendo
hoje, uma referência nacional e internacional em sua área de atuação, onde se
destaca pela excelência dos serviços prestados, por sua contribuição ao campo
do conhecimento e por seu compromisso com a luta pela dignidade das pessoas com
o autismo.
Instalada em sede própria, ocupando uma área de 10 mil metros quadrados
especialmente construída e ambientada para o atendimento integral às
especificidades do espectro do autismo, a Casa da Esperança atende atualmente a
cerca de 350 pacientes, em regime de 4 ou 8 horas/dia, o que a torna a maior
instituição no atendimento a autistas do Brasil e uma das maiores do mundo.
No
ano de 2003 a
Casa da Esperança se tornou a primeira entidade nacional credenciada pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar procedimentos de alta complexidade
em pessoas com autismo. Para tanto, compôs uma equipe multiprofissional nas
áreas de Medicina (nas especialidades de Pediatria, Neurologia, Psiquiatria e
Clínica Geral), Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia,
Enfermagem, Assistência Social, Pedagogia, além de Agentes e Acompanhantes
Terapêuticos.
O objetivo da Casa da
Esperança é proporcionar às pessoas com transtornos do espectro do autismo,
atendimento integral, público e de qualidade, respeitando-os como cidadãos de
direito e valorando as suas potencialidades, contribuindo para a construção de
uma sociedade inclusiva.
Em
busca de uma metodologia que se adéqua ao seu estilo de trabalho e às
necessidades especificas dos usuários da Casa da Esperança, chegaram à
abordagem do SCERTS, com suas contribuições teóricas e práticas que visam
integralmente o autista os tratando como integrantes e não como pessoas
defeituosas cujas habilidades são estimuladas em constante desenvolvimento.
O
modelo SCERTS aborda de forma multidisciplinar as habilidades de comunicação e
sócio-emocionais. Refere-se à comunicação social, regulação emocional e apoio
transacional, acreditando ser as dimensões básicas do desenvolvimento
objetivadas em um programa delineado para apoiar o desenvolvimento de
indivíduos e suas famílias.
Reconhecendo
que a maior parte do aprendizado ocorre no contexto social de atividades e
experiências diárias, há vários esforços para apoiar o desenvolvimento do
autista dentro do modelo com cuidadores e familiares nas rotinas do dia-a-dia
em uma variedade de situações sociais.
Os
recursos utilizados para realizar a pesquisa foram: entrevista, usando
gravador, objetos para anotações (diário de campo), a observação, descrição, a
conversação informal. As entrevistas foram feitas com o diretor geral e um
psicopedagogo da Casa da Esperança. A pesquisa foi realizada nos meses de
outubro e novembro do ano corrente, sendo sempre pela parte da manhã, na mesma
sala de aula. Foi abordada uma entrevista estruturada baseadas nas perguntas
Perguntas
para o diretor:
1:
Como se deu o interesse por essa instituição?
2:
Qual a sua função aqui?
3:
Como se faz a seleção para entrar na instituição?
- profissional
- aluno
- estagiário
4:
Como vocês avaliam as melhoras?
6:
Como vocês vem a função do psicólogo?
7:
Como se sustenta? Números de integrantes (profissionais e alunos) ;
histórico.
Perguntas
para o psicopedagogo:
1:
como desenvolve o trabalho em sala de aula?
2:
é trabalhado a questão da psicomotricidade com eles?
3:
quantas pessoas ficam dentro da sala? (alunos, profissionais)
4:
os alunos ficam aqui até que idade?
5:
se o aluno não quiser ficar na sala, ele tem liberdade para sair?
6:
vocês fazem trabalho com as mães?
DESENVOLVIMENTO
- Referencial Teórico
Como
foi falado na metodologia, o autismo é uma síndrome que foi denominada pelo
psiquiatra austríaco Leo Kanner. Os autistas eram percebidos por ele como
inteligentes e que possuíam capacidade excepcional de memorização, mas eram
impossíveis de manter contato afetivo com outras pessoas. Segundo Cavalcanti
(2002) o autismo é definido como uma patologia precoce, um tipo específico de
organização psíquica, marcada pelas ausências de linguagem e de relações
objetais.
Os
principais sintomas que Kanner mencionou foram às dificuldades para
relacionar-se com outras pessoas, até com os membros de sua própria família;
falha no desenvolvimento da linguagem ou uso anormal em grande parte
não-comunicativo da linguagem e uma fala ecolálica
A
organização Mundial de Saúde, em sua Classificação internacional de
Doenças (1984), cita os seguintes critérios para o diagnóstico de autismo:
“Autismo
infantil é uma síndrome presente desde o nascimento, e se manifesta
invariavelmente antes dos 30 meses de idade. Caracteriza-se por respostas
anormais a estímulos auditivos ou visuais e por problemas graves quanto à
compreensão de linguagem falada. A fala custa a aparecer e, quando isso
acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical
imatura, inabilidade para usar termos abstratos. Há também, em geral, uma
incapacidade na utilização social tanto da linguagem verbal, como da corpórea.
Ocorrem problemas muito graves de relacionamento social antes dos 5 anos de
idade, como incapacidade de desenvolver contato olho a olho, ligação social e
jogos em grupo. O
comportamento é usualmente ritualístico e pode incluir rotinas de vida
anormais, resistência a mudanças, ligação a objetos estranhos e um padrão de
brincar estereotipado. A capacidade para pensamento abstrato simbólico ou para
jogo imaginativo fica diminuída. A inteligência varia, de muito subnormal a
normal ou acima. A performance é com freqüência melhor em tarefas que requerem
memória imediata ou habilidade visuo-espacial, comparando-se com aquelas
que requerem capacidade simbólica ou lingüística. Usa-se como sinônimos de
síndrome autista os termos: autismo na criança, psicose infantil e síndrome de
Kanner”.
Ainda
hoje a causa do autismo não é conhecida, mas estudos mostram que a patologia
pode ser genética, outros afirmam que está relacionado a uma infecção viral
(por exemplo, rubéola congênita), fenilcetonúria (uma deficiência herdada de
enzima), ou a síndrome do X frágil (uma dosagem cromossômica).
O
autista tem uma incapacidade de se relacionar com outras pessoas, não
conseguindo manter um relacionamento afetivo até com os seus familiares. Por
não conseguirem uma socialização com o outro, a maioria tem dificuldade em desenvolver
um repertório verbal e alguns são diagnosticados como surdos-mudos por não
apresentarem nenhum tipo de fala e não prestarem atenção quando falam com eles.
Mas existem provas demonstrando que os autistas possuem sua capacidade auditiva
intacta.
Segundo
Lima,
“A
criança é indiferente aos outros, demonstra e não reage à afeição e ao contato
físico. O autista se comporta como se estivesse só, como se os outros não
existissem. Porém, às vezes se interessa por uma determinada parte do corpo das
pessoas, como a mão ou um detalhe da roupa, por exemplo.”¹
Vimos
esse interesse por uma determinada parte do corpo, com um dos alunos na sala a
onde fizemos nossas observações. Esse aluno tinha interesse pelas partes
íntimas do corpo das pessoas, sempre que ficava no lado de alguém queria ficar
“pegando” nessas partes. No nosso primeiro contato com a turma, o professor
falou para esquecermos as teorias estudadas no curso, que para esse menino era
apenas uma “brincadeira” e não havia nada da sexualidade falada por Freud.
Iremos relatar melhor nossas observações e experiências vividas na instituição
escolhida no próximo tópico.
- Nossas visitas na Instituição
Na
nossa primeira visita à instituição, conhecemos apenas a recepção e a sala do
coordenador, pois não deixaram a gente conhecer o lugar sem ninguém para nos
acompanhar. Desde o primeiro contato, reparamos como a socialização é forte
entre eles, sem mesmo conhecê-los, cumprimentavam como se nos conhecesse há
muito tempo. Tivemos a sensação de ter sido bem acolhida por eles. Nesse mesmo
dia, encontramos com o coordenador e explicamos o objetivo de nosso trabalho,
para a nossa surpresa, ele foi atencioso e muito simpático.
- Texto de Vera Lúcia ferreira Lima,
diretora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Ourinhos
(APAE) e coordenadora do Centro de Atendimento ao Autista e Patologias
Associadas (CAAPA).
No
segundo dia que fomos para a instituição, não conseguimos observar nada, porque
tínhamos marcado um horário e fomos em outro. Mas não desistimos e fomos ao outro dia
marcado. Como sempre todos da instituição foram simpáticos e atenciosos
conosco.
No
terceiro encontro esperamos durante uma hora para nossa entrevista com o
coordenador e esse nos apresentou para um psicopedagogo e nos disse que iríamos
fazer nossas observações em sala de aula.
Finalmente
no nosso quarto encontro fomos para a sala de aula, a vivência V. Antes de
conhecer a sala e a turma, tivemos uma pequena conversa com o psicopedagogo, o
qual explicou como era o seu trabalho com os alunos. Nos disse que tudo o que é
feito é para a socialização deles, que eles não estão ali para aprender a ler,
escrever e sim para se socializar e se comunicar com outras pessoas. O
psicopedagogo disse que,
“a
função maior é a socialização, quanto maior o contato que ele estiver com o
grupo, melhor. Vai diminuir o tempo dele aqui. Na socialização a gente trabalha
varias outras questões, a sociabilidade, a habilidades motoras, organizar o
copo da sala”.
A
sala de aula é feita para que todos exerçam alguma atividade, tudo está ali por
um propósito, tudo é para eles se socializaram. No meio da sala tem uma mesa
grande e dois bancos que todos têm que sentar juntos. Quando chegamos, o
professor nos contou que um dos rapazes que estavam no nosso lado, no início
não conseguia sentar no lado de ninguém.
Em
todas as nossas visitas podemos perceber como fomos bem recebidas, criamos um
vínculo com todos daquela sala, mesmo não querendo, sabendo que aquelas
observações iriam acabar. Sempre que estávamos na sala, o psicopedagogo
perguntava se tínhamos reparado algo de diferente entre eles.
Em
uma das nossas conversas com o psicopedagogo, comentamos que tínhamos adorado
os alunos, principalmente um em especial, o professor nos disse que era bom se
desapegar. Não entendemos naquele momento essa parte, mas depois conversando
percebemos que ele estava com medo dos meninos se prenderem a nós e se apegar.
- Autistas X disciplinas estudadas
- Psicologia Social II
Os
autistas são visto pela sociedade como “doidos”, sofrendo preconceitos, com
isso vimos que são excluídos, marginalizados. Levando em consideração isso,
estudamos em psicologia social II, estudamos representações sociais. O qual
esse assunto trata de pessoas excluídas, marginalizadas. O primeiro teórico a
estudar as Representações Sociais, foi o Moscovici, através de sua obra A
Psicanálise, sua imagem e seu público, em 1961. Segundo ele, as
Representações Sociais são o conjunto de explicações, crenças e idéias que nos
permitem evocar um dado acontecimento, pessoa ou objeto. Estas representações
são resultantes da interação social, é uma espécie de “2ª língua” que permite
que os indivíduos se comuniquem e se identifiquem como pertencentes a uma mesma
formação sócio-cultural. As sociedades funcionam com base em Representações Sociais
compartilhadas entre seus membros.
- Psicologia da família
Referindo
a questão da família, notamos na instituição uma preocupação em integrar os
familiares e buscar fazer notar essa diferença no tratamento. Segundo Paul
Watzlawick o comportamento de todo individuo, dentro da sua família, está
relacionado com o comportamento de todos os outros integrantes. “Todo
comportamento é comunicação e, portanto, influência e é influenciado por
outros”.
Avaliando a família de crianças com essa patologia
verifica-se um nível maior de ansiedade, depressão nos que não procuram um
atendimento especializado. Daí surge o interesse, usando o modelo SCERTS, de
fazer com que os alunos executem tarefas domiciliares desde apanhar uma colher
que cai no chão até lavar um prato ou cortar uma fruta. Assim a família sente
esse sujeito acessível ao meio em que vive e a interação entre os membros tem
uma melhora espetacular. Estávamos observando na sala de espera e encontramos
uma mãe e ao perguntarmos se ela sentiu uma melhora no comportamento do filho
ela disse: “com certeza, ele era muito inquieto e violento, hoje ele até me
ajuda”.
A instituição desenvolve um trabalho de ocupação das mães
com oficinas de arte, palestras e apoio emocional aos familiares para melhorar
as suas habilidades para lidar com e se adaptar aos desafios de criar uma
pessoa autista.
Notamos esse sistema integrado quando estávamos em
observação na sala e um dos alunos, ao notar que uma de nós estava com os
cotovelos em cima da mesa, pegou pelo braço e tirou de cima da mesa. Segundo a
agente ele não admite ninguém colocar os cotovelos em cima da mesa e ainda
acrescentou “imagina quem ensina isso? os pais, lógico”.
Os familiares são considerados especialistas em suas
crianças. A avaliação e os esforços educativos são vistos como processos
colaborativos com os familiares. Princípios de uma prática centrada na família
devem construir o consenso com a família e melhorar o processo colaborativo.
Toda parte do sistema relaciona-se com as demais partes nela existente e
qualquer mudança provocará uma mudança em todas as partes e no sistema total.
- Psicologia, instituições e
organizações sociais
Analisar
uma instituição não é entender sua realidade, a organização como um sistema
fechado, isolado do meio externo uma “ilha” social e cultural, com leis
próprias e sem historia. O sentido das organizações e dos grupos está externo a
ele e é encontrado principalmente nas historias no modo de produção e na
formação social em que esta organização é constituída. Desde a direção aos
serviços gerais os alunos têm total acesso a todas as áreas e lá é conhecida a
realidade familiar, cultural, financeira e o psicólogo deixa claro esse
reconhecimento e interação. Em toda instituição a burocracia se faz necessária,
principalmente para um controle, seleção, adequação diante dos diferentes
pensamentos que acessão a instituição. Notamos que para conseguir acesso às salas
de convivência, tivemos que passar por muitas normas da instituição. Sabemos
que é para uma organização, mas essa adequação se complica e em um determinado
momento, a espera era bem desagradável para quem estava ansioso para executar o
trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
cada prática que se passa temos a certeza de um amadurecimento em relação ao
conhecimento diante de uma área tão ampla como a psicologia. Esse trabalho
etnográfico de observação participante e de interação entre o sujeito e o
investigador, nos fez aprender e sem julgamento o trabalho na instituição. Cada
ação tem uma intencionalidade e no caso da instituição escolhida os
profissionais que nos acolheram nos fizeram notar muito bem o objetivo do
trabalho.
Começando
pelo conceito de autismo, essa palavra é conhecida, mas a síndrome não, se
notando no senso comum. Com esse trabalho, muitos tabus foram quebrados e a
maneira que consideramos o autismo se fez diferenciada diante dessa prática,
principalmente pelo método SCERTS.
Com
certeza nosso objetivos foram alcançados, principalmente em relação à atenção
que nos deram tanto por parte da diretoria (o acolhimento para o trabalho, o
direcionamento para um profissional responsável, a disposição para as
entrevistas e esclarecimento das nossas dúvidas) como por parte do professor
que esteve conosco diretamente (facilitando nossa observação em cada trabalho
que eles executavam, chamando nossa atenção para uma determinada ação,
mostrando o objetivos das atividades) e também pela interação com os alunos,
sem contar a aceitação que eles tiveram diante de nós criando um vinculo
afetivo com um “gosto de quero mais”.
Com
essa participação intensa na instituição a visão das disciplinas, tanto do
semestre passado como nesse semestre, se fizeram bem vistas e de fácil relação,
apesar de que muitas vezes o professor que nos acompanhou sustentava a idéia
que não era para nos prender a teorias julgando as ações que muitos exerciam.
Um
ponto crítico que gostaríamos de destacar é que infelizmente esse “modo de
viver”, como muito deles citam, ainda não é tão respeitado pela sociedade e que
muitos autistas ainda não tem acesso, devido à falta de profissionais para
determinados níveis de autismo, ”a vaga dos casos graves estão ocupadas”,
havendo uma imensa fila de espera para o atendimento.
Com
essa prática, despertou-se o interesse de um trabalho com pessoas especiais e a
própria instituição abriu espaço para que esse desejo seja cumprido e pelas
falas do diretor citamos: “trabalho não falta não, é só ajudar”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FINO, C. Nogueira. A etnografia enquanto método: um modo
de entender as culturas (escolares) locais. Universidade da Madeira
JOVCHELOVITCH, Sandra. Textos
em
Representacoes Sociais. Petropolis , RJ: Vozes, 1998.
WATZLAWICK, Paul. Pragmática
da comunicação humana. São Paulo: Cultrix, 1967
SCHAWARTZMAN. José Salomão. Autismo
infantil. São Paulo, 1995
1
ANEXOS
Entrevista com o prof.
Nilson
Sara: E o teu trabalho lá
dentro, da sala como é? O que vocês fazem mais ou menos?
Nilson: existe uma rotina, há
algo estruturado. O que vamos fazer todos os dias temos as caminhadas, o lanche
e temos uma atividade de mesa. Essas são as estruturas básicas do nosso
trabalho. As caminhadas podem ser individual ou como podem ser em dupla, como
pode ser a turma toda. A atividade em mesa pode ser individual como pode ser em
conjunto, o lanche geralmente em conjunto. Então , existe na terça e quintas
feiras, as atividades voltada para a piscina, daí a onde eu entro. É um
trabalho de psicomotor com o grupo porque nem todos entram na piscina. Tem o
grupo da manhã e o grupo da tarde.
S: por que nem todos entram?
N: porque alguns não gostam.
S: então eles ficam livres
pra escolherem se querem ou não entrarem na piscina, e as atividades de mesa?
N: as atividades de mesa são
variáveis, a colagem, a cultura, a questão de escrever, eles escrevem. Às vezes
a culinária, toda ultima sexta feira do mês, a gente faz uma preparação de
alguma coisa, um sanduíche, uma salada de frutas.
S: vocês trabalham a questão
da psicomotricidade com eles, né?
N: sempre, a psicomotricidade
está em tudo, mas o objetivo maior de todo esse trabalho, não é fazer o
autista, mesmo aquele que conseguem ler algumas palavras aumentar as palavras
lidas, pra eles não tem função. Com isso, eles não vão chegar a pegar um livro
e ler e interpretar, isso não é a função. A função maior é a socialização,
quanto maior o contato que ele estiver com o grupo, melhor. Vai diminuir o
tempo dele aqui. Na socialização a gente trabalha varias outras questões, a
sociabilidade, a habilidades motoras, organizar o copo da sala. Então nós temos
uma copinha lá pequeninha, organiza-se os copos, os pratos, organiza as mesas,
as gavetas, tudo isso é trabalho de sala. Tudo o que se faz tem vista a
socialização desses meninos, para eles se darem bem, se comunicarem. (nesse
momento aparece um dos alunos querendo conversar com o Nilson) Então, esse
seria o trabalho maior, o que é a auto regulação, nós chamamos, para que eles
se sintam bem, como eles não conseguem expressar, a dificuldade da comunicação
é muito grande, quando a crise é gerada quando ele não consegue se comunicar. A
gente tem que saber entender
S: como aquele ali, queria
ter falado alguma coisa, mas?
N: pode ser, foi uma maneira
de se aproximar com vocês, vai desde de uma lisada a um tapa na cara.
S: acontece muito isso?
N: acontece, muito não, mas
ai nosso trabalho é de fazer que existe outras possibilidades de comunicação.
S: aprender eles a deixarem
se comunicarem.
S: tem quantas pessoas na
sala?
N: eu coordeno uma equipe de
sala, a minha equipe tem seis agentes, são agentes terapêuticos q dá suporte ao
trabalho que rola na sala. Existe o psicólogo geral que se chama Juliano, faz
às intervenções que são muito boas, eu também faço intervenções quando preciso.
A proposta é voltada para a socialização.
S: essa equipe é feita por
profissionais já formados?
N: os agentes terapêuticos
tem o ensino médio, que a função deles é manter a função. Então todos os
coordenadores e terapêuticos são formados. São feitas as intervenções que são
dadas pelo profissional. A equipe é o dia todo. Essa semana estamos trabalhando
com toda a atividade de mesa com colagem, revistas, gravuras, esse material
toma uma configuração diferente do escolar. Quando eu pego uma criança e supor
que vou trabalhar colagem em uma escola normal, vamos catar só
passarinhos, estamos trabalhando ela classificação, essas coisas. Estou
preparando essa criança, para que lá introduzir o mundo, ela tem as
conseqüências. Aqui não, aqui não tem esse significado de preparação para
alguma coisa. O que faço com esse material, é fazer com que esse menino, esse
rapaz ele entre em contato com os outros. Se um não recorta, se um recorta bem
e o outro não recorta, então o que recorta bem passa pra quem cola bem. Então
esse trabalho vai sendo envolvido todo mundo, o que é o objetivo, tirar daquele
menino aquela habilidade pra que se socialize, porque isso vai melhorar muito a
qualidade de vida lá fora.
S: e eles ficam aqui até
quantos anos?
N: Ai não tem idade não
S: e as famílias que procuram
trazer, ou as portas estão abertas para qualquer criança?
N: existe uma lista, uma
lista de espera. A família que contata vai ao serviço social, o serviço social
faz uma avaliação da família e ela entra na lista de espera. Se a vaga para
naquele setor com aquelas características daquela criança, a criança vem ou o
jovem, ele é avaliado pelos profissionais da casa e é encaminhado para o setor
de acompanhamento. Esse é um dos requisitos para nós que trabalhamos.
S: e com as mães, vocês fazem
trabalho?
N: com as mães, o setor de
núcleo de atendimento as famílias faz o trabalho, está envolvido basicamente o
setor do serviço social, o setor social, a assistente social.
S: tem muitas mães né, em um
momento lá fora, semana passada que a gente veio, ia perguntando se ele
melhorou e perguntei. A mãe disse que claro, que em dois meses estava melhor.
Perguntei se para a mãe tinha alguma coisa, ela disse que tem uns trabalhos
para as mães.
N: é tem a cooperativa de
mães. O nosso trabalho se baseia em liberdade, pode ver que os meninos tem toda
a liberdade de ir e vir, de entrar e sair. Não temos a questão de reprimir, de
trancar as portas.
S: se ele não quiser ficar na
atividade, ele pode sair?
N: é, ai assim, se a gente
percebe que ele não quer ficar o tempo o todo, existe um trabalho para que ele
fique, para que ele participe das atividades, mesmo que demore a tarde inteira.
Mas que pelo menos fique um tempinho. E ai, faz que o menino vá se preenchendo
, vai se desenvolvendo, se adaptando, vai mudando seu comportamento. Tem menino
que chega muito molango, paradão, que trabalha a questão de sair, participar do
grupo. Tem outros que são mais agressivos, então ele vai ter que aprender a não
usar a agressividade para pedir alguma coisa. Para se socializar melhor com
os outros. Pra tentar a aproximação do novo.
Diário de campo
Dia 18/9/2008
Após
várias tentativas de um contato por telefone, marcamos nossa ida à instituição
com Bruna a secretária do Alexandre Costa. Ao chegar, fomos procurar o coordenador,
mas ele não estava no local. Então resolvemos conversar com sua secretária.
Quando perguntamos se poderíamos visitar a instituição, andar, conhecer os
ambientes internos, a secretária, para a nossa surpresa, respondeu que “não”.
Assim,
ficamos na portaria, observando o que estava ao nosso alcance, a começar pelo
ambiente físico com muitas árvores, plantas, jardins, parquinhos, rampas,
corrimões, aos quais proporcionam uma melhor movimentação dos autistas,
transmitindo conforto, tranqüilidade e ambiente caseiro.
A
decoração do ambiente é feita por jarros, quadros, molduras, a partir de
material reciclado e obras dos próprios autistas. Algo que nos chamou muita
atenção foram às ocupações que os próprios autistas exercem na instituição.
Geralmente, por serem autistas, muitas pessoas passam “a mão na cabeça”, digo
isso porque em um momento uma supervisora chamou a atenção de um deles pelo
erro que cometeu.
Outro
momento que achei interessante citar foi quando eu ouvia atentamente a conversa
do recepcionista e um agente e, como se eles tivessem notado nossa presença,
começam a dizer que a única coisa que falta para ser feliz é cursar a Unifor,
que ele vai estudar lá. Interessante notar que sem mesmo conhecer eles
cumprimentam como se nos conhecesse há muito tempo. Tive a sensação de ser bem
acolhida.
Depois
de algum tempo de espera, o coordenador Alexandre Costa chega. O interessante
foi que, ao chegar, algumas pessoas presentes na recepção falavam: “Ele
chegou”. Senti-me como se estivesse esperando um “manda-chuva”. Logo foi muito
simpático e me acolheu com muita atenção. Levou-nos à sala dele e descobrimos
que a dona da instituição era sua esposa. Explicamos o projeto e ele soube
questionar a partir do que foi lido, dando parecer que entendeu nossa
expectativa. Levou-nos para conhecer a instituição e citou que o objetivo era
fazer com que os autistas interajam com a sociedade. Por isso ele os faz criar
um vínculo com a fala e o cumprimento. Fomos até a sala do psicólogo e marcamos
a próxima visita para o dia 25 de setembro de 2008, às 14 horas.
25/09/08
Cheguei
ao local às 14 horas e ao nos dirigirmos à recepção, João, o recepcionista, nem
nos deixou falar e já foi dizendo: “A Bruna, né?”. Fomos ao encontro da Bruna,
que se espantou com nossa presença no local. Senti esse espanto quando ela,
quase sem palavras, olhou para nós e falou: “O que fazem aqui? Era pela manhã.”
Fiquei chateada, mas não poderia desistir nesse momento. Marcamos novamente
para o dia 30 de setembro de 2008, às 10 horas.
30/09/08
Chegamos
à Casa da Esperança às 10 horas, conforme foi marcado na visita anterior. Ao
entrarmos, o recepcionista João, nos diz ao aproximarmos dele: “Já sei, a
Bruna?” Fomos atrás dela e ao nos ver, ela pede para esperar. Com muita calma,
ficamos na recepção, observando o ambiente e quem estava ao redor. O
recepcionista começou a puxar conversa conosco: “Qual a faculdade de vocês? Que
curso? Vocês estão gostando daqui? Já é a terceira vez que vocês vêm aqui, né?
Qual o semestre?” Observei novamente a presença das mães e a interação com os
autistas. Enquanto observava, o tempo passava e ficava um pouco agoniada,
devido à demora. Minha companheira pediu calma, que esperássemos, mas já estava
sem paciência.
Uma
hora depois do marcado, fomos recebidas e, ao entrarmos na sala da dona da
instituição, seu esposo, o psicólogo Alexandre Costa, estava a nossa espera.
Por
incrível que pareça, depois de ter explicado tudo do nosso trabalho no dia 18
de setembro, ele perguntou o que iríamos fazer. Já estava impaciente para
explicar tudo de novo. Então fui direto ao ponto e ele nos disse que não iria
nos deixar sozinhas pela Casa da Esperança, e que era melhor acompanhar uma
turma. Chamou o professor Nilson, pedagogo especializado em psicopedagogia e
ficou combinada a nossa participação em algumas de suas aulas, nos horários de
terça-feira, das 10 às 11h30min horas. Saí da casa da esperança bem mais
aliviada. Só em não precisarmos mais depender do coordenador. Ficaram
combinados os horários já citados e iremos começar nossa participação na sala
de aula no dia 7 outubro de 2008, das 10 às 11h30min horas.
07/10/08
Chegamos
às 10 horas e logo nos dirigimos à recepção. João estava lá, sentado,
conversando com o rapaz do dia 18 de setembro.
Fomos
atrás da Bruna que nos levou à sala do professor Nilson (Sala de Convivência
V). Ele não estava e fomos esperar na cantina até que o professor voltasse.
Enquanto
esperava, fiquei observando o ambiente. Era um pátio, com mesas e cadeiras, ao
lado do jardim. No mesmo ambiente havia os banheiros, um bebedouro e outras
salas.
Quando
o professor Nilson chegou, logo veio falar conosco. Foi muito simpático e
sentou-se conosco para nos explicar a metodologia do trabalho, como se portar
diante deles, qual o objetivo.
No
decorrer da conversa, ele citou uma frase que me chamou muita atenção: “O
objetivo maior é a socialização, é o contato com o grupo, é diminuir o tempo
que ficam a sós.”
Falou-nos
sobre as atividades diárias e sobre as pessoas que trabalhavam junto dele. “A
equipe é voltada para a socialização, fazer com que haja possibilidades de
comunicação.”
Enquanto
conversávamos, se aproximaram diversos autistas, porém quero destacar dois que
me chamaram muito a atenção.
Primeiramente,
estávamos sentados (eu, Nilson e Priscila) em uma mesa. De repente um autista
se aproxima e começa a empurrar Priscila contra a mesa e com força. Percebi a
companheira tensa e sem reação. Alguns enfermeiros se aproximaram e com muita
delicadeza e carinho tiraram o rapaz.
Nilson coloca que é uma forma
de se comunicar, se aproximar. E daí entra o ensinar outras formas de
comunicação.
Outro
rapaz foi destacado ao entrar na sala. Depois de nos apresentar à turma e nos
deixar “à vontade”, sentamos à mesa e um dos rapazes tentava pegar nas partes
íntimas dos outros. Por “sorte” esse rapaz chamado Isack se senta ao meu lado.
Nesse momento fiquei muito nervosa e quase sem reação. Quando ele vinha com sua
mão, apertava, imitando o que os outros agentes faziam.
Ao
entrar na sala, Rafael, um aluno, falou com Nilson, mas ele não respondeu e
essa cena se repetia continuamente na sala. Senti que havia algo com propósito
para essas ações. Quando estávamos a sós, novamente, Nilson nos explicou que
Rafael chegou à instituição “mal educado”, mimado e se não fizéssemos o que ele
queria, ele derrubava tudo. Para conseguir a “educação” de seus modos foi
difícil, assim, como a de muitos outros.
Hoje,
esse rapaz é muito amado pro todos. “quando ele falta, todos sentem a sua
falta, desde a portaria até as outras convivências.” Aconteceu que pela manhã
no lanche, Rafael colocou a mão no prato de comida de uma colega e foi chamado
atenção. Ele não se importou e continuou. Como ele gosta muito do Nilson, o
“castigo” será o silêncio do professor. “No fim do dia irei chamá-lo e
perguntarei se ele entendeu a lição”
Nilson
coloca que tudo na sala foi colocado para ser usado. Desde um jarro até a
vassoura. “tudo é utilizado para que eles criem novas funções. Os jarros são
colocados pela sala para que eles possam derrubar e ajeitar até um pedir para
buscar água é muito importante.”
Às
vezes eles arrumam a sala, mesmo estando arrumada. Alguns são necessários ir
com calma nas ordens, mas outros já atendem o comando mais rápido. Sentimos um
ambiente acolhedor que nos traz ansiedade para voltar.
Dia 21/10/2008
Chegamos
às 10 horas e estávamos um pouco receosas, pois terça passada não fomos e não
conseguimos contato com ninguém. Por incrível que pareça, fomos bem acolhidas
pelo professor Nilson que chegou a nos dar seu telefone para contato. Quando
nos viu, sentou-se conosco e foi explicar as atividades em desenvolvimento na
semana e naquele momento. “Essa semana estávamos trabalhando a questão das
frutas, sexta feira vamos usar frutas de verdade”.
Logo
ele nos levou a sala a qual estavam todos sentados na mesa central, desenhando
e pintando com canetinhas, cola colorida e papel colorido.
Antes de entrar, professor
Nilson nos orientou sobre mudanças físicas na sala. Ele desenhou para que
pudéssemos entender. Não modificaram muito, pois tem um aluno que tem um ritual
diário ao chegar à escola, que não permite fortes mudanças.
Voltando
para a sala, realmente haviam retirado um armário, mas com um objetivo. Os
alunos sentados na mesa desenhando e pintando frutas como maçã, banana, uva e
abacaxi. No momento em que estávamos colando e pintando me sentei em frente ao
Samuel que ia, junto comigo, colando papel. Ele colocava nos locais certos e
ainda pressionava para a cola segurar.
Rafael,
um garoto ativo, do qual todos gostam estava deitado na cama. Fernando estava
andando pela sala, sentia a voz dele tão mecanizada, como se imitasse uma
maquina similar a um robô da mesma que um garoto chamado Felipe que gosta de
ficar “no canto” da cantina, com as mãos nos ouvidos e canta músicas que
costuma escutar (Xuxa, balão mágico, forró), a vontade de ficar só é tão grande
que os agentes o obriga a passar uma hora por dia impedido de sair da sala. Ele
fica observando com a mão no ouvido e qualquer oportunidade de fuga ele
aproveita.
Quando
estávamos observando e ajudando na colagem dos alunos, Fernando começou a pegar
em uns papeis picados e gostando da textura começou a apertar. De repente,
Fernando começa a brincar no chão, ao lado da cama que Rafael estava deitado,
com a boca aberta. Fernando joga a vasilha de papel no rosto do Fernando. Achei
muito interessante, não pela “maldade”, mas como uma forma de mexer com um
menino que costuma ser danado e que hoje está calado. Rafael se levantou
eufórico com papel na boca, pedindo ajuda.
Na sala, com todos, começaram
a arrumá-la, Isaac com a vassoura e depois com a pá era estimulado a arrumar a
sala. Pediram ao Samuel para guardar os lápis e ao Isaac para limpar a mesa,
assim eu ia sujando e ele limpando.
“Mantenha a porta fechada
para Felipe não sair”. Fui para o lado da porta e fiquei segurando, mantendo
fechada. Felipe olhava, com a mão nos ouvidos, só esperando o momento de um
deslize para ele sair da sala. Quando o professor trouxe uma mesinha para a
sala não consegui a porta e ele fugiu com muita esperteza. Achei interessante o
jeito e a velocidade da fuga.
Senti-me
um pouco nervosa com a presença do Isaac, ele gosta de pegar nas partes
intimas. Quando ele chegava perto, eu apertava a sua mão. Ainda em relação a
ele, quando chegamos, deixamos nossas bolsas no armador e ao ver a bolsa da
Priscila ele se levantou e pegou a bolsa, levando para a outra mesa e abrindo
mexeu no que havia dentro. A minha colega ficou desesperada e o professor,
usando o ocorrido recolheu a bolso e o fez pedir desculpas. Já próximo da saída
o professor Nilson nos reuniu na mesma mesa e na presença dos alunos e agentes
mostrou uma forma de aprender e ao mesmo tempo organizar o ambiente. “Isaac vá
pegar os pratos, só os pratos”- Isaac ia e trazia para a mesa os pratos -
“Isaac conte quantos tem”- ele contava “um, dois, três, quatro...”- o professor
continuava- “Rafael, qual o menor e o maior?”- Rafael apontava.
Achei
uma maneira interessante, ao mesmo tempo em que mostra o aluno útil. Após isso
nos despedimos e fomos a uma sala do lado onde haviam obras de arte feitas por
eles. Servia como uma ajuda financeira. Muito lindo!
Esqueci de comentar, ao
chegarmos sentimos a ausência de João na recepção, a moça que estava no seu
local na recepção disse que ele foi para outro local. Ao olharmos para a sala
de artes vimos nosso amigo João. Ele veio falar conosco, nos abraçou e nos deu
um cheiro na cabeça. Na mesma hora, passa outro rapaz, que ao se apresentar
beija nossa mão e diz que a Priscila é linda. O professor, para finalizar, nos
pergunta se há duvidas, como foi à observação, nos dando muita atenção.
Combinamos com ele e com Alexandre Costa uma entrevista, outras observações.
Dia 28/10/2008
Ao
chegar à Casa da Esperança fomos em direção a Bruna com o intuito de fazer a
entrevista com Alexandre Costa que marcamos na semana passada. Mas, pra variar,
ele não estava. Remarcamos para o dia 4 de novembro às dez horas.
Dirigimos-nos
para a sala do professor Nilson para continuarmos nossas observações. Na
entrada da sala nos deparamos com um alvoroço. Nilson corria para um lado,
dando ordens, agentes iam para outro lado. Quando olhei para o chão vi uns
pingos de sangue e na sala, em frente à porta uma mulher estava limpando o
chão. Pediu para que entrássemos.
Logo,
quando entramos, Samuel veio nos cumprimentar. Matheus estava chorando ao lado
de uma agente, fiquei curiosa, mas não perguntei o que havia acontecido. Notei
que o ambiente estava diferente, colocaram todos os armários para um só lado,
com o intuito de ter mais espaços. Rafael estava deitado, Isaac, sonolento, se
deitou e dormiu.
Havia
uns alunos que me fugiram a atenção, Danilo, que de vez em quando gritava e
aparentemente nervoso queria café. Se não tivesse ele saia da sala e ia atrás.
Depois de observar o ambiente da sala bastante agitado, principalmente Fernando
que batia na parede com maior freqüência (ele tem essa mania).
Chegando
perto de mim, Samuel senta-se ao meu lado daí veio uma nova garota a qual não
tinha visto, como agente, na sala. Seu nome era Dalila. Ela era aluna da
instituição e começou a trabalhar no local, mas voltando para o alvoroço que
cercava a todos.
Aconteceu
que Fernando estava atrás da porta no momento em que Lilian a abriu e a
porta foi bem no rosto dele. E para revidar ele deu um soco nela e ela deu um
tapa no rosto dele. Daí começou a briga. Fernando derruba Lila que bate o
queixo no chão e começa sangrar. Todos até os alunos ficaram nervosos. Matheus,
chorando, apontava para Fernando dizendo “dói, dói” e depois fazia um gesto
como se mostrasse que Fernando era doido.
Fernando continua a andar
pela sala falando sozinho e se debatendo na parede com mais freqüência do que
de costume. As agentes estavam cheias de justificativas, pois sabia que a
reclamação ia ser dada a elas pela falta de atenção com os alunos. Muitas vezes
as percebi se justificando uma para as outras e até mesmo para mim e para
Priscila. Toda a culpa foi jogada no Fernando que era “mimado, cheio de vontade
que se fosse com ele, a mãe iria fazer o maior ‘barraco’, mas como ele tem
dinheiro”.
Nilson
não estava na sala, estava organizando, orientando e acompanhando a menina e se
preparando para receber a mãe da garota machucada. Houve um momento em que
entrou na sala e os agentes foram se justificar. Ele as escutou e pediu que
ninguém ficasse atrás da porta, nem intervalos nos horários em que os alunos
estivessem em sala. “fiquem atentos a todos e ao mesmo tempo, se eu desviar a
atenção por um segundo, o outro se aproveita”, foi somente que nesse momento
que percebi que ele estava tenso e preparando o ambiente para a mãe não ficar
nervosa e que demonstre ao menino que foi falta de atenção.
Nesse
mesmo dia, observei que Samuel apontava para o pulso como se estivesse
apontando para um relógio e isso quer dizer que ele quer ir embora, pois não
sabe falar.
Isaac senta desta vez ao lado
de Priscila e tenta pegar nos seus seios e com reflexo ela segura firme a sua
mãe e diz: “olhe, não faça isso, se não eu vou sair”.
Bom eu fico por aqui.
29/10/2008
Ao
chegarmos a recepcionista nos acolheu e pedimos para irmos a sala, mas ela
pediu para esperar por Bruna. Não demorou, Bruna veio e perguntamos se
poderíamos ir a sala do Nilson e ela “Lógico que sim”. Senti-me nesse momento
bem a vontade.
Ao
chegarmos à sala de convivência, Nilson estava só. Perguntei por Samuel e ele
disse que estavam Bem. Priscila comentou que havíamos adorado Samuel e
professor disse que era bom se desapegar. Não entendi naquele momento essa
parte, mas depois refleti e percebi que ele tava com medo dos meninos se
prenderem a nós e se apegar.
Perguntei
por Lilian, como ela está e como sua mãe ficou. Respondeu que estava bem e que
levou três pontos abaixo do queixo e como toda mãe não havia gostado, mas foi
compreensiva. Nilson nos pediu para observarmos algo diferente e que no fim do
dia, nós iríamos dizer o que era. E saiu da sala.
Aos poucos os alunos foram
entrando na sala, junto dos agentes. Danilo deitou-se, mas de instante em
instante se levantava para pedir café. Quando gritava, tentava sair da sala.
Houve um momento que ele saiu e atrás dele Fernando e o restante dos alunos. Quando
voltou ele se deitou e os agentes diziam que ele estava com medo do Fernando.
Por falar nisso, Fernando andava pela sala se debatendo e falando sozinho.
Samuel ficava direto perguntando as horas, querendo ir embora, senti cada um
mais despeço que outro. A causa era por que não havia nada para fazer. Descobri
através das agentes, que a mãe do Fernando tem boas condições financeiras, que
pagou para pintar a sala para os 15 anos do filho e que a mãe do Samuel era
psicóloga. Resolvi passear pela instituição, conhecer as instalações e as
oficinas. Quando saímos da sala nos deparamos com um rapaz que estava na sala
de artes. A sala era repleta de criações belíssimas, casa forró, quadro,
estátua, tapete... Tudo feito de jornal e por eles, orientados por uma professora.
Voltando para o aluno, ele se
propôs em nos mostrar a instituição e nos levou em cada sala e nos mostrou o
que faziam os professores.
Fomos
às salas de aula, cozinha, ala das crianças, informática, parquinho, cantina,
pintura, dança (o professor não estava, mas ele nos prometeu que iria nos levar
semana que vem). Ele nos explicou que trabalhava no local, mas voltou a ser
alunos e que iria mudar de colégio, pois uma menina havia pegado o seu caderno
e a mãe não tinha gostado. Daí ele foi atrás de outra escola e foi aceito, por
isso estava muito feliz. Em uma dessas salas, perguntei como eram escolhidos os
alunos para aprender a ler e a escrever e a professora havia me falado que eram
escolhidos de acordo com a maturidade e grau de autismo. A professora de
pintura disse que as oficinas eram escolhidas por habilidades de cada um. Ao
voltarmos para a sala, eles estavam terminando de se arrumar para irem alguns
para casa. Bruna, muito alta, passava perfume. Segundo os agentes, ela adorava
tomar banho. Quando estava de TPM ela se agredia.
Tentamos
encontrar algo diferente, mas não percebi. O professor começou a conversar
conosco e ao seu lado, estava Isaac querendo chamar a atenção. Ao olha para nós
duas Nilson disse “nada de sexualidade” e afirmamos que havíamos entendido.
Perguntamos o que havia mudado e começamos a citar exemplos: “foi àquela caixa,
com nome Fernando?”, “foi um maior cuidado e uma maior atenção em relação ao
Matheus?” “a TV como formas de acalmar?”.
Ele
disse que deixou os meninos a vontade e aos agentes, sem dar ordens, os deixou
a vontade, para eu eles tomem algumas decisões permissíveis e que os alunos
ficassem sem nada a fazer, soltos, diferente dos outros dias que sempre tem
atividade.
Remarcamos para a próxima
terça.
12/11/2008
Cheguei
às 10 horas para a entrevista com o professor Costa, que estava em reunião com
outra equipe, enquanto esperava comecei a observar o movimento.
Primeiramente,
comecei a conversar com Bruna, segundo ela “sou secretária de cinco
coordenadores na instituição, é tão puxado, to pra ficar louca, procurei a casa
da esperança devido um filho que tive com Síndrome de Down e que veio a
falecer. Quando vim do Piauí procurei a casa que me acolhei e depois de ficar
com os alunos surgiu a vaga como secretária, daí aceitei”.
Enquanto
conversávamos muitas pessoas vieram lhe perguntar por chaves, telefones,
atendimentos como coordenadores, sem contar que digitava uns agendamentos. Ela
me explicou que alguns alunos autistas ficaram na parte de agendamento e
seleção para profissionais para os clientes pelo SUS. Há dois estagiários em
testes para seleção um estava entre os dez agentes em uma sala para seleção e
outro verificando e corrigindo as fichas. Uma vez no mês vem um fiscal verificar
o andamento.
Havia
um aluno que queria entrar para conversar com Alexandre e disse que esperava
até ele poder atender. Houve um momento em que entrou na sala sem bater e o
professor conversou com ele, mas pediu que ele fosse mais calmo da outra vez.
Danilo
aparece no local para pegar café. O estagiário, que estava ajeitando as fichas,
o manda voltar e Danilo dando uma volta no local volta para pegar e o
estagiário repete o mandato, Bruna então se levanta, pega um copo com café,
serve ao Danilo dizendo “só essa vez”.
Em
um determinado momento o filho da Fátima, dona da instituição, abre a porta da
sala, sem bater, onde Alexandre estava em reunião. Quando
acaba a reunião, costa fala “vou desligar uma tomada e ligar outra”, não
entendi, mas aceitei, pois deu a entender que era rápido.
Na
porta havia um homem que antes estava “dando em cima da Bruna”, daí segurou o
diretor por alguns instantes e começaram a trocar idéias. Perguntei à Bruna
quem era aquele rapaz, e ela me responde que ele já havia trabalhado na
instituição e que saiu antes dela começar a trabalhar. Deu-me a impressão de um
vinculo mesmo de quem sai da instituição.
Depois que acabou a conversa
Alexandre foi fumar daí entendi o que El quis dizer anteriormente. Quando
voltou pediu para que eu entrasse e começamos a entrevista. Ele me transmitiu
segurança, carisma e atençã