Transtorno de Ansiedade
– TOC
Nos diz
Cordioli que o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é considerado um transtorno heterogêneo
caracterizado por pensamentos, idéias ou imagens intrusivas, em geral
desagradáveis ou ameaçadoras (obsessões), que irrompem involuntariamente na
consciência do indivíduo causando-lhe sofrimento e ansiedade. Estas obsessões
freqüentemente são acompanhadas por atos repetitivos e estereotipados
realizados no sentido de aliviá-las (compulsões). E diz ainda que o TOC acomete cerca de 2,5%
da população geral, sendo considerado o quarto diagnóstico psiquiátrico mais
freqüente. A incidência é maior em classes sociais baixas, entre indivíduos com
conflitos conjugais, divorciados ou separados e desempregados. É maior entre os
familiares de 1º grau (3 a
7%). É igual entre homens e mulheres, mas é maior em adolescentes masculinos
(75%). O início da doença ocorre predominantemente ao redor dos 20 anos, mas há
relatos da presença de sintomas em crianças de até dois anos (Jenike, 1990,
apud Cordioli). Num estudo do NIMH (National Institute of Mental Health), foi
observado que os meninos tinham a tendência a ter o início pré-puberbal (ao
redor dos sete anos), com tiques associados e familiares com transtorno,
enquanto que as mulheres tinham um início mais tardio, na adolescência (Swedo e
cols., 1989, apud Cordioli).
O
filme O Aviador foi tomado como objeto
de análise para pensarmos como se dá o transtorno de ansiedade, mais
precisamente, como se dá o excesso comportamental no transtorno obsessivo
compulsivo. Sabemos que várias teorias têm buscado tratamentos adequados,
técnicas apropriadas. Entretanto, o emprego de técnicas não é suficiente para
garantir bons resultados no tratamento, pois uma proposta de intervenção eficaz
requer, inicialmente, uma avaliação do comportamento-alvo e das unidades
funcionais do ambiente onde esse comportamento é mais provável de ocorrer. Mas
como diagnosticar, como intervir?
Os comportamentos repetitivos e
freqüentes, conhecidos pelos manuais classificatórios como Transtorno
Obsessivo-Compulsivo (TOC), têm sido amplamente estudado graças ao número de
pacientes que aparecem com os sintomas e a importância que a mídia tem dado ao
tema.
Com relação
ao diagnóstico numa perspectiva analítico comportamental o que se tem a dizer?
Em que se difere da clínica psiquiátrica e até mesmo de outras abordagens? O
diagnóstico médico do TOC, bem como o diagnóstico de vários outros transtornos,
é realizado com base em manuais classificatórios de comportamentos, ditos
“patológicos”, como o DSM-IV e o CID-10. Elas listam critérios para o
enquadramento de um problema em uma dada categoria nosológica. Sua elaboração
obedece a critérios estatísticos e tende a focalizar topografia de respostas.
De acordo com
o ponto de vista médico, o TOC normalmente diz respeito a obsessão, a compulsão.
Os sintomas aparecem em pessoas de qualquer idade. As obsessões são
consideradas comportamentos encobertos como: pensamentos, imagens, lembranças,
dúvidas que ocorrem repetidamente e parecem estar fora de controle. Já as
compulsões podem ser públicas ou encobertas, as quais as pessoas realizam
repetidamente, com freqüência e em uma ordem preestabelecida. As compulsões são
precedidas por uma sensação de urgência e resistência, seguida de alívio
temporário da ansiedade após sua realização.
E o excesso
comportamental segundo o ponto de vista
da Análise do Comportamento? De acordo com Zamignani, “a análise do
comportamento é uma ciência construída sobre a proposta filosófica do
behaviorismo radical”. E é nela que se procura compreender o efeito de uma
resposta sobre o ambiente, identificando as relações funcionais entre esses
eventos. O método utilizado pela Análise do Comportamento é a Análise
Funcional. Na análise de casos de TOC, essa análise dos comportamentos
considerados inadequados do cliente prevê a investigação das contingências
mantenedoras deste padrão, possibilitando o planejamento de intervenções
promotoras de comportamentos desejados.
Considerando
o referencial teórico da Análise do Comportamento, os comportamentos exibidos
por uma pessoa, que levariam a afirmar que ela “possui um TOC”, foram selecionados
durante sua história de vida por processos idênticos aos que selecionaram os
comportamentos ditos “normais”, de outras pessoas. Ou seja, ambos os
comportamentos são adaptativos, considerando as contingências que os mantêm.
Para um analista de comportamento,
pensar -que é considerado um comportamento evento privado- em
contaminação e lavar- um evento público- as mãos são ambos
comportamentos operantes. Todos e quaisquer comportamentos são produto das
interações entre a história de contingências a que o indivíduo vem sendo
exposto durante todo o processo de seu desenvolvimento, a sua história genética
e a história atual de contingências de reforçamento, isto é, as condições que
operam sobre ele no momento.
Avaliação Funcional
Analisado
cada caso particularmente, cabe ao analista do comportamento identificar que
variáveis mantém o comportamento-problema e atuar na modificação de
contingências, buscando diminuir o sofrimento do cliente, tratando-se de
quaisquer comportamentos, inclusive os que tipicamente, caracterizariam o TOC.
Certamente, há uma história de vida que mostre a instalação desses
comportamentos obsessivos apresentados por Hughes. No entanto, o filme ilustra
apenas uma cena de sua infância, na qual pudemos perceber que a mãe foi,
certamente, um reforçador para que esse comportamento fosse mantido. Os pais
são reforçadores naturais muito fortes na vida da pessoa. A mãe de Hughes
sofria de microfobia, portanto nota-se que ela foi um estímulo para seu cuidado
excessivo em relação a higiene e a saúde.
O filme começa com a mãe dando banho em seu filho, de água quente e com
um sabonete supostamente medicinal, falando do perigo de uma contaminação, pois
o mundo estava contaminado: “Você sabe o que é cólera? Você sabe o que é tifo?
Sabe o que essas doenças podem fazer com você? Você não está a salvo”. Cremos,
a partir dessa cena, que Hughes cria um padrão comportamental: a compulsão
excessiva a limpeza. Inclusive, a cena do banho volta a aparecer, através de
lembranças do personagem, em situações que são aversivos para ele, no caso,
estar diante da impossibilidade de construir aviões.
A aviação é extremamente reforçadora para Hughes. Inclusive, percebemos
que ele tem repertórios sociais pouco desenvolvidos. Suas relações sociais são
praticamente inexistes, já que as pessoas de seu convívio são seus
funcionários. Mas também não lida bem com a fama, o que o torna ainda mais
solitário. Sua história de reforçamento é reduzida, pois perdeu um reforçador
muito forte ainda jovem, família, principalmente, sua mãe. Existe, no entanto,
um outro grande reforçador, para maior parte das pessoas, que deixa de o ser
para o personagem, o dinheiro. Sua fortuna é originária de herança. Hughes teve um custo muito baixo de resposta
para ter acesso ao reforçador dinheiro.
Custo muito baixo na resposta praticamente não produz reforçadores.
Um dos motivos pelos quais as respostas compulsivas se mantêm é o fato de
seu comportamento não ser aversivo para outras pessoas, já que ele tem um
restrito convívio social. Mesmo quando a sua compulsão por limpeza se torna
aversiva para alguém, no caso suas namoradas, quando elas o deixam, têm pouca
importância para ele. O contato social é, de fato, percebido como
ameaçador para a maioria das pessoas com TOC, pelos longos períodos dedicados à
execução de rituais, no entanto, como o contato dele é mínimo, o comportamento
se mantém.
Outra contingência que aumenta a probabilidade de manutenção do
comportamento compulsivo de limpeza é o fato de que, algumas vezes, quando ele
vai iniciar o seu ritual, existe um funcionário de confiança ao seu lado para
tirá-lo do local. Isto é, as pessoas ao redor não o vêem durante o ato. Esta
proteção evita que Hughes entre em contato direto com as consequências
aversivas.
Por ser seu próprio chefe, a mania não atrapalha no seu trabalho, o que
seria diferente se tivesse que trabalhar para alguém.
De um modo geral, Hughes mostra-se sempre perfeccionista e com traços da
limpeza excessiva, toma somente leite lacrado, anda sempre com seu sabonete,
cobre com papel celofane o manche do avião e toma sorvete numa caixa, nunca em taças. Entretanto ,
também aparecem algumas atitudes não tão obsessivas, por exemplo, come com os
talheres dos restaurantes, aperta a mão de algumas pessoas e tem relação normal
com as mulheres. Percebemos então, que sua compulsão a limpeza aumenta
consideravelmente diante de algumas situações aversivas que dizem respeito à
aviação, isto é, esses eventos antecedentes são condições sob controle das
quais o ritual longo de limpeza ocorre. Inclusive, a maior crise que ele passa,
na qual passa em média 40 dias preso dentro de um quarto, tem como estímulo a
sua impossibilidade de conseguir as rotas internacionais para a TWA.
Proposta de Intervenção
O analista de
comportamento deve se interessar pelos comportamentos e sentimentos do cliente,
manejando as contingências de reforçamento das quais eles são função. Ou seja,
o interesse do analista está sob controle dos comportamentos emitidos e
eliciados e a ação transformadora se manifesta pela apropriada intervenção
sobre as contingências de reforçamento que produzem os comportamentos de
interesse.
A contingência de
reforçamento é a unidade mínima de análise e de intervenção de que dispõe o
analista de comportamento para alterar comportamentos e sentimentos. Propõe-se
identificar e alterar as contingências de reforçamento, que estão operando na
vida da pessoa, com o objetivo de instalar, manter ou enfraquecer
comportamentos e sentimentos, em benefício do cliente e do grupo social ao qual
ele pertence.
A técnica de exposição in vivo e de prevenção de resposta são
consideradas intervenções fundamentais no tratamento comportamental do TOC. No
filme temos uma cena em que o ator está lavando as mãos em um banheiro público
e ele se vê na obrigação de abrir a porta, porém ele evita e aguarda que alguém
a abra. A intervenção que poderíamos utilizar aqui seria começar com
aproximações sucessivas, em que o paciente no consultório se imaginasse frente
a esse evento, bem como dando-lhe tarefas de casa, onde ele busque correr o
risco, expondo-se ao evento. A princípio isso provocaria certa ansiedade, porém
com o apoio do profissional isso iria gradativamente sendo diminuído até que
ele conseguisse se aproximar desse evento sem que o comportamento ansioso comprometa
a ação. Por fim lançaríamos mão da exposição com prevenção de resposta, ou
seja, o analista iria in vivo com o
paciente fazendo com que ele entrasse de fato em contato com o estímulo
aversivo. Visando a diminuição ou extinção da esquiva através do confronto ou
exposição repetida ao estimulo temido, e do impedimento do comportamento
compulsivo (ritual). Tal exposição promove o declínio da resposta de ansiedade,
toda vez que o estimulo é reapresentado. A técnica de prevenção de resposta
promove a aprendizagem de que a ansiedade se reduz por si só, desconfirmando a
crença de que o ritual alivia a ansiedade.
Localizamos no filme um
trabalho de exposição com prevenção de resposta. Hughes estava há dias recluso
em sua casa, tocando nos objetos apenas com papéis, com os espaços da casa
totalmente separados por cordas e sem tomar banho por achar até a água suja,
Então sua ex-namorada entra num quarto, isolado anteriormente por ele, e, mesmo
contra a vontade de Hugues, promove uma alteração no ambiente. Insiste que ele enfrente
a situação aversiva, que era lavar o rosto, as mãos e até mesmo sair do quarto,
e consegue resultado.
A
terapia baseia-se na constatação de que, se o paciente desafia seus medos, por
exemplo, expondo-se às situações que evita ou tocando nos objetos que considera
contaminados (exposição) e, ao mesmo tempo, deixa de realizar os rituais de
descontaminação ou verificações (prevenção da resposta), embora num primeiro
momento a aflição aumente, em pouco tempo ela tende a diminuir até desaparecer
por completo espontaneamente (habituação). Repetindo tais exercícios os medos
de tocar em coisas sujas ou contaminadas, de fazer verificações ou a
necessidade de realizar rituais acabam desaparecendo por completo.
Cordioli nos propõe : Exposição
+ Prevenção da Resposta => Habituação => Desaparecimento dos sintomas.
Segundo Cordioli, a terapia pode ser individual e mais recentemente vem
sendo desenvolvida uma forma de tratamento em grupo. Além de
comparecer às sessões nas quais recebe uma série de informações e realiza
exercícios, o paciente realiza também exercícios no seu próprio domicílio ou
local de trabalho.
Referências Bibliográficas
BUSNELO. Simone A. G. Toc: uma
revisão de literatura. In: http://www.uniandrade.edu.br/links/menu3/publicacoes/revista_enfermagem/artigo084.pdf
CORDIOLI. Aristides Volpato. Transtorno obsessivo compulsivo: perguntas e
respostas. In: http://www.ufrgs.br/toc/FOLDER%20TOC%20vers%C3%A3o%2010_05.pdf
SILVA. Dácio Ronie S. Transtorno Obsessivo compulsivo (TOC):
características, classificação, sintomas e tratamento. ConsCientiae Saúde.
São Paulo. Vol. 6, nº 2.
Cristiano Lima