Francisco Cristiano Ferreira Lima
Epistemologia significa, etimologicamente, discurso (logos) sobre
a ciência (episteme). Ao lado da epistemologia lógica e genética, surge,
recentemente, um novo tipo de epistemologia, a "epistemologia
crítica", fruto da reflexão que os próprios cientistas estão fazendo sobre
a ciência em si mesma:
"Trata-se de uma reflexão histórica feita pelos cientistas
sobre os pressupostos, os resultados, a utilização, o lugar, o alcance, os
limites e a significação sócio-culturais da atividade científica".
A epistemologia crítica, pois, tem por objetivo essencial
interrogar-se sobre a "responsabilidade social dos cientistas e dos
técnicos", de interrogar sobre a significação real das ciências no mundo
tecnoglobalizado, seus fundamentos ideológicos e suas conseqüências para esta
mesma sociedade biotecnológica. É com este instrumento filosófico faz-se uma
reflexão que, diferentemente de uma filosofia metafísica, toma as categorias de
uma práxis histórica.
A verdadeira ciência seria o conhecimento da essência das coisas.
Conhecer a estrutura ontológica de cada ente e o lugar da coisa na escala
hierárquica, eis o que era a ciência na Idade Média. Hoje, o "modelo
metafísico" cedeu o passo ao "modelo científico". A ciência
moderna é pesquisa. Requer hipóteses e métodos de verificação e de exatidão. A
realidade fica reduzida à pura objetividade: real é tudo aquilo e só aquilo que
é objetivo. Ciência e Técnica modernas tendem a converter a realidade em
objeto. A técnica visa efeitos, resultados. A técnica visa a eficácia. A
técnica, como desafio, provoca a natureza obrigando-a a liberar energias. Essas
são acumuladas, comercializadas e convertidas em moeda. A questão dos sentidos
e da essência nem sequer lhes ocorre.
Diante dessa situação, que é nova, os cientistas começaram a
reagir, a fazer uma "anticiência" a fazer uma epistemologia crítica
e, numa expressão de G. Bachelard, a "dar à ciência a filosofia que ela
merece". A ciência apresenta-se como um saber eminentemente tecnicizado,
governado de modo quase absoluto - "global" - um gigantesco processo
de produção racionalizado e industrializado. O que a "epistemologia
crítica" pretende mostrar é que, uma vez que o conhecimento científico se
torna cada vez mais um poder, é este próprio poder que irá constituir nas
sociedades industrializadas, a significação real da ciência. Deverá ser
procurada no poder que o saber hoje em dia confere. É a verdade revelada e
ensinada dogmaticamente, sem nenhum senso crítico-epistemológico.
É assim que a "ciência
moderna associa-se estreitamente ao poder sobre as coisas e sobre o próprio
homem". Existe o mito da ciência pura e neutra. Como uma
instituição-sistema, a ciência não pode ser neutra nem pura. Basta pensar na
"irresponsabilidade social" dos cientistas e, do outro lado, no
fornecer ao Estado uma justificação do apolitismo da pesquisa científica. É
verdade, não se pode negar, a dimensão social da Ciência e da Tecnologia. Quer
queiramos, quer não, a ciência tem uma função social crescente no
desenvolvimento da sociedade e no progresso tecnológico. Hoje, mais do que
nunca, existe uma tomada de consciência dos problemas ecológicos, a destruição
da terra, a "degradação das relações individuais nas sociedades
industrializadas (tecnoglobalizadas), a utilização das pesquisas científicas
para fins destruidores, a possibilidade de manipulação crescente dos
indivíduos, a utilização maciça dos cientistas, de seus métodos e de seus
produtos para fins repressivos e recessivos, a obsessão patológica pelo
consumo..." .São as conseqüências do desenvolvimento científico para o
homem.
A ciência
torna-se não somente um instrumento nas mãos dos membros dos poderes econômicos
e políticos, mas também a cobertura ideológica de todo o sistema do
"capitalismo global" .
Cristiano Lima
www.cristianolima.net