Diferentes origens da Psicologia e da Psicanálise como ciências




Profª Miriam Altman
O renascimento foi uma época de fermentação em praticamente todas as áreas da atividade humana. A partir de cerca de 1500, um espírito expansionista generalizado difundiu-se largamente em muitas esferas diferentes. Essa tendência expansionista, além de territorial e física, espiritual e literária, foi também científica, como demonstram as figuras de Galileu e Newton. Houve também um alargamento dos horizontes filosóficos e certos conceitos psicológicos passaram a existir. Não é por acidente que a psicologia, como tantos outros campos, teve seu mais importante ressurgimento durante o renascimento, após milhares de anos de escuridão.
Durante e logo após o Renascimento desenvolveram-se oito movimentos que iriam ter profundo efeito na formação da ciência da Psicologia. A nova psicologia experimental surgiu da confluência de dois grandes rios- um deles a ciência, o outro, da filosofia. Os afluentes do rio da ciência eram a fisiologia, a biologia, uma abordagem atomista, um interesse na quantificação e uma tendência a instituir pesquisa universitária e laboratórios de treinamento; os afluentes do rio da filosofia eram o empirismo crítico, o associacionismo e o materialismo científico.
As tendências científicas
Dentro da fisiologia, havia muitos trabalhos a respeito de órgãos dos sentidos e estudos que viriam a ser chamados mais tarde de neurofisiológicos. A fascinação pelo corpo humano levou a um estudo pormenorizado das estruturas e suas funções, e as unidades funcionais que constituíam o corpo eram estudadas tanto nos reflexos de animais como de homens. A controvérsia relativa à localização de funções nas diversas estruturas cerebrais, ainda hoje vigorosa, já se instalara na primeira metade do séc. XIX.
O conceito biológico mais importante, em termos de sua influência no desenvolvimento da psicologia, foi a evolução. Em 1860 Charles Darwin publicou sua Origem das espécies que revolucionou as teorias que predominaram durante séculos, sobre a origem divina do homem. A abordagem atomista teve surpreendente êxito em diversas disciplinas, de modo que era natural que a jovem psicologia também procurasse adota-la. A química dava o exemplo mais brilhante, com a engenhosa teoria atômica de John Dalton e sua classificação dos elementos ( ele também deu importante contribuição à psicologia com suas observações sobre a cegueira em relação ás cores: sucede que ele próprio era cego ás cores e ofereceu a primeira descrição do fenômeno, que por muito tempo foi chamado daltonismo). O pensamento quantitativo em psicologia recebeu grande impulso na primeira metade do séc.XIX. Foi então que a estatística surgiu como disciplina e, sem dúvida, é a ênfase quantitativa do Zeitgeist - especialmente em física, a ciência que a jovem psicologia tanto se esforçava por imitar- que fez espalharem-se tão rapidamente a aceitação da psicofísica e dos testes mentais. A geometria analítica e o cálculo foram inventados muito tempo antes e Galileu já estabelecera sua lei sobre a queda dos corpos muito naturalmente sob forma matemática.
Finalmente, a primeira metade do séc. XIX assistiu à instituição formal de uma série de pesquisas em universidades, e de laboratórios para treinamento, esse movimento foi particularmente característico da química.
As cinco tendências científicas convergiram no sentido de tornar a nova psicologia experimental, fisiológica, evolucionista e atomista, com ênfase na quantificação, e favoreceram o estabelecimento de grande número de laboratórios de psicologia experimental nas últimas décadas do séc. XIX. Os primeiros laboratórios foram os de William James, na psicologia norte americana e depois de Wundt na psicologia alemã. Porem, a filosofia também teve seu efeito marcante sobre a nova psicologia, com três desenvolvimentos principais contribuindo para esse impacto.
Tendências Filosóficas
O movimento do empirismo crítico, iniciado pelos gregos, relacionava-se com a crítica lógica de toda a experiência. Dentre os pensadores influentes que levaram o novo espírito de liberdade de pesquisa para os assuntos científicos, encontrava-se Copérnico, que ousou divergir da autoridade, opondo-se ao sistema geocêntrico, com a proposta de ser o Sol e não a Terra, que estava no centro do universo. As medidas empíricas derrotaram a autoridade e perturbaram profundamente costumes, crenças e tradições sociais profundamente arraigadas.
A tradição associacionista concentrava-se na questão de saber o que faz com que as idéias se prendam umas nas outras; como as idéias se consolidam. O materialismo científico com suas origens em Descartes consiste numa tentativa de descrever os organismos vivos e seus processos estritamente como máquinas, em termos de fatos físicos e químicos, numa abordagem mecanicista da compreensão dos organismos vivos, inclusive do homem. É a crença de que os fenômenos mentais podem ser descritos por conceitos das ciências físicas e matemáticas.
O fato de a nova psicologia experimental, então, preocupar-se muito com questões epistemológicas, ser fortemente associacionista, e tentar reduzir os fatos mentais e fatos físicos, demonstra a capacidade de penetração das fortes tendências filosóficas do empirismo crítico, do associacionismo, e do materialismo científico em meados do séc. XIX.
A PSICANÁLISE
Passar para a interpretação psicanalítica da psicologia é passar a um movimento muito diferente daqueles considerados até aqui. Os sistemas que acabamos de ver, sejam quais forem as suas divergências, são parecidos por serem acadêmicos. Estão saturados da atmosfera das bibliotecas e dos laboratórios, de seminário e salas de conferencia. Ou são ciência pura ou o que mais se assemelhe à mesma. Nenhum deles teve sua origem real na ciência aplicada. Porém a psicanálise não é acadêmica e nem pura. O seu objetivo é “a cura das almas doentes”.
O movimento psicanalítico não participou do mesmo conjunto de desenvolvimentos que levou às demais escolas; entre outras coisas, objetivava, principalmente, o comportamento anormal, como agir em relação a ele, e a partir daí, propunha questões muito diferentes das das outras escolas. Suas origens históricas devem ser procuradas alhures. Embora influenciada pelo conceito de evolução de Darwin, não possuía raízes reais na fisiologia; era apenas longinquamente atomista, e tinha pouco a ver com laboratórios, materialismo científico ou com a abordagem quantitativa.
Pode-se relacionar a psicanálise mais com a tradição romântica e com a história da psicologia médica e clínica. A psicanálise constitui uma teoria da personalidade, uma filosofia sobre a natureza humana e um procedimento psicoterápico. O gigante intelectual que desenvolveu essa abordagem foi Sigmund Freud (1856-1939). Baseando-se na concepção de uma mente inconsciente ativa, da espécie sugerida por Shakespeare, Goethe, Brentano, Fechner e Herbart, Freud foi muito além de seus predecessores.
Já se disse que o Homem sofreu, nesses últimos séculos, três grandes golpes no seu narcisismo. O primeiro foi com Copérnico, que comprovou que a Terra não era o centro do sistema solar. O segundo golpe foi devido às investigações de Darwin sobre a origem do homem. Fomos colocados no nosso devido lugar na escala do desenvolvimento das espécies da natureza na Terra, como aquela que evoluiu dos primatas. E, muito distante da divindade, como queria a religião. O terceiro golpe foi com o surgimento da psicanálise, quando Freud nos apresentou a nós mesmos como seres dotados de capacidades racionais, com uma consciência, mas, também, dotados de um inconsciente, regido por leis próprias, diferentes da lógica racional. Podemos pensar que numa época em que predominava o cientificismo, em que a ciência era tida como uma deusa a ser adorada, como aceitar que o homem não é o ser racional por excelência, mas tem um inconsciente, cheio de fantasias, desejos e pulsões...? e que é também inatingível pela consciência. Freud dizia que havia trazido a peste... ou que viera perturbar o sono da humanidade.

Bibliografia

Wertheimer,M - Pequena História da Psicologia. São Paulo, editora Nacional, 1977
Heidbreder, E – Psicologias do Século XX. S.P: ed. Mestre Jou, 1978
Tupinambá, B – A Psicanálise e as Relações Humanas. Artigo