Contudo, o homem continua a desenvolver-se e a se
colocar novas necessidades na medida em que vai forjando novos meios de
sobrevivência. E chega a um ponto em que ele, além de conhecer a natureza,
precisa, também, dominá-la, transformá-la segundo suas necessidades. Nesse
ponto da jornada humana, temos grandes revoluções na vida prática e pensada,
que, para Galileu Galilei, em1616, nas palavras de Brecht (1979), levam o homem
a "estudar a maior máquina de todas, a máquina dos corpos celestes, que se
estende diante de nossos olhos" (p. 121). Ao estudar o universo, o homem
foi dominando suas leis e aplicando-as para solucionar problemas de ordem
prática, para construir as pequenas máquinas, poderíamos dizer. E, ao fazer
isso, desenvolveu as ciências e o método experimental. As ciências da natureza
e as ciências humanas são urdidas ao mesmo tempo em que o homem vai
desenvolvendo a produção social nos moldes capitalistas, ao mesmo tempo em que
vai desenvolvendo o indivíduo livre para a produção.
Pois bem, sem entrar aqui no mérito da polêmica
em que se discute ser a psicologia ciência ou não, reafirmamos que ela se torna
científica ao final do século XIX, em meio ao próprio advento de outras
ciências e em meio ao recuo da filosofia enquanto teoria do conhecimento.
Mas a vida do homem não é estanque, e o modo de
produção capitalista, que engendrou todo o nosso escopo científico, entra em
crise global já nos meados do século XIX, crise essa muito bem elucidada nas
obras de Marx e Engels. Com a crise econômico-social, o indivíduo (expressão
humana no capitalismo) também entra em crise: questiona seus valores, suas
habilidades, suas potencialidades, o sentido de sua vida. Fez-se necessária uma
ciência que explicasse os aspectos individuais e subjetivos do homem. Essa
ciência ensinaria definitivamente como é e como
funciona a psique humana, quais as causas dos comportamentos e os meios de
controlá-los, quais as causas das emoções e os meios de controlá-las, de tal
modo que seria possível livrar-nos das angústias, do medo, da loucura, assim
como seria possível uma pedagogia baseada nos conhecimentos científicos e que
permitiria não só adaptar perfeitamente as crianças às exigências da sociedade,
como também educá-las segundo suas vocações e potencialidades (Chauí, 1995,
p.50).
A psicologia se "desliga" da filosofia
e se configura enquanto ciência independente quando deixa de buscar a essência
humana e passa a adotar métodos para não só conhecer, mas também intervir nesse
ser humano. Deixando mais claro:
A filosofia através da observação das atividades
humanas com base nas reflexões sobre estas atividades busca determinar a
natureza humana e suas relações com o mundo. Busca a essência desta natureza
(Misiak, 1964, p 15).
Enquanto que a psicologia através de métodos científicos
estuda o comportamento humano, tanto o comportamento manifesto como as
atividades concomitantes como o sentir, perceber, pensar. Seja na descrição ou
mensuração deste comportamento a Psicologia se vincula a outras ciências como
as ciências sociais e as ciências biológicas (idem, p.15).
Ou seja, o homem, diante da diversidade do mundo
industrial, diante da possibilidade de potencialização da eficiência humana,
diante da necessidade de conhecer e controlar suas próprias atividades,
desenvolve uma forma de pensamento específico acerca do seu comportamento,
desenvolve métodos para análise e compreensão do caráter individual do seu ser,
bem como de sua subjetividade.
Em todas estas questões se expressa o
reconhecimento que existe um sujeito individual e a esperança de que é possível
padronizá-lo segundo uma disciplina, normatizá-lo, colocá-lo enfim, a serviço
da ordem social. Surge, deste modo, a demanda por uma psicologia aplicada,
principalmente nos campos da educação e do trabalho.
É assim que no final do século XIX estão dadas as
condições para a elaboração dos projetos de psicologia como ciência
independente e para as tentativas de definição do papel do psicólogo como
profissional nas áreas de saúde, educação e trabalho (Figueiredo, 1991, p.31).
Torna-se então possível o nascimento da
psicologia científica como uma das formas de pensamento do homem contemporâneo,
significando assim sua saída da filosofia, em meio à qual se mantinha como uma
disciplina.
Cristiano Lima
www.cristianolima.net
Cristiano Lima
www.cristianolima.net