Tristeza ou Depressão? Quando Devo Procurar Ajuda?

Um dos transtornos mais comuns que abordamos na clínica psiquiátrica é a depressão, que atinge 5,8% da população brasileira, segundo dados publicados recentemente pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Sobre esse assunto, um dos questionamentos que mais comumente recebemos na prática clínica é: sentir-se triste é o mesmo que estar deprimido? A resposta é não: sentir-se triste não é necessariamente estar com depressão. Ao longo da leitura deste texto, isso ficará mais claro.

A tristeza pode ocorrer em várias fases ou situações de nossas vidas e pode ser completamente normal, sem caracterizar-se um transtorno psiquiátrico. Podemos nos sentir tristes, por exemplo, ao terminar um relacionamento; ao falecer alguém que gostamos; ao perder um emprego; ao lidar com a frustração de algo que tínhamos expectativa que ocorresse, mas que não se concretizou; com a perda de poder, status, recursos, respeito ou prestígio, entre outras diversas situações do nosso cotidiano.

A tristeza “normal” costuma ser proporcional à perda que a provocou e tende a desaparecer quando o fato que a gerou termina ou diminuiu gradativamente. Embora para o diagnóstico de depressão seja necessário o tempo mínimo de 2 semanas de persistência dos sintomas, o tempo de duração da tristeza, não é um fator confiável ou que possa ser utilizado unicamente para diferenciar a tristeza da depressão, pois podemos manter uma situação de estresse crônico (como, por exemplo, uma crise financeira, conflitos conjugais) com sentimento de tristeza associado por longos períodos sem que se esteja diante de um quadro de depressão.

Ainda que possa nos parecer estranho e difícil aceitar e lidar com um sentimento por vezes muito doloroso, a tristeza pode ser um sentimento saudável e ser um mecanismo por vezes necessário para a reflexão e aprendizado, levando a experiências humanas construtivas e objetivos evolutivos. Esse sentimento está diretamente implicado na construção da empatia, relacionado com a função da obtenção de apoio social diante do estado emotivo, além de promover proteção contra um comportamento agressivo ligado a uma perda ou conflito e inibir condutas impulsivas, em que a tristeza age forçando o indivíduo a reavaliar o seu futuro.

Na depressão, a tristeza surge como um sentimento incapacitante que nos afasta de qualquer objetivo. A tristeza, quando faz parte da depressão, tende a ser crônica, recorrente e desproporcional às perdas sofridas.

O diagnóstico de depressão pode incluir a tristeza, mas além dela, outros critérios são necessários para confirmação diagnóstica, como define o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais, 5ª edição), manual que tem sido uma das bases de diagnósticos de saúde mental mais usados no mundo.

No transtorno depressivo há presença de tristeza (humor triste), vazio ou humor irritável, acompanhado de alterações somáticas (p. ex. alterações no sono, no apetite) e cognitivas (p. ex.: pensamentos, concentração) que afetam significativamente a capacidade de funcionamento (p. ex: trabalho, estudos) do indivíduo.

Segundo O DSM-5, o Transtorno Depressivo Maior é caracterizado por cinco ou mais dos seguintes sintomas que estão presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior, sendo que pelo menos um dos sintomas deve ser (1) humor deprimido ou (2) diminuição do interesse ou prazer; e os demais: (3) perda ou ganho significativo de peso; (4) insônia ou hipersonia; (5) agitação ou retardo psicomotor; (6) fadiga ou perda de energia; (7) sentimentos de inutilidade ou culpa; (8) capacidade diminuída para pensar ou se concentrar; (9) pensamentos recorrentes de morte. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Reforça-se assim o entendimento de que a tristeza e a depressão, embora possam estar associadas, não são sinônimos, pois a depressão abrange outros sintomas importantes e debilitantes além da tristeza.

Diante do esclarecimento do que diferencia a tristeza da depressão, é importante buscar uma avaliação profissional quando a tristeza for desproporcional aos fatores de estresse ou perdas envolvidas, e os outros sinais e sintomas acima citados estiverem associados e presentes diariamente por período mínimo de 2 semanas. A avaliação psiquiátrica é importante para que possa ser realizado (ou descartado) o diagnóstico de depressão e sejam feitas as orientações em relação ao tratamento indicado para cada caso.

A depressão é um transtorno psiquiátrico e, assim como outras doenças diagnosticadas e estudadas na medicina, tem tratamento. Do ponto de vista biológico, o transtorno depressivo está associado a vários circuitos cerebrais e neurotransmissores (substâncias químicas que agem na comunicação entre os neurônios), sendo a serotonina, noradrenalina e dopamina os mais comumente envolvidos, dependendo do perfil de sintomas do paciente. Por isso, o uso de fármacos que envolvem esses neurotransmissores pode ser indicado e a prescrição medicamentosa pode ser necessária para o tratamento adequado da depressão.

Além disso, podem ser empregados com boa resposta ao tratamento da depressão o acompanhamento psicológico, assim como mudanças de hábitos de vida e a prática de atividades físicas regulares.

Esperamos que esta leitura tenha ajudado a esclarecer dúvidas acerca dos temas “tristeza ou depressão” e forneça o conhecimento necessário para orientar quando devemos procurar apoio profissional adequado.




*STAHL, Stephen M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
*AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: *DSM-5. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
*http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/254610/1/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf

Autor: Gabriela Camargo, Médica Psiquiatra