Quando o assunto é filosofia, uma questão recorrente é aquela acerca da sua utilidade, posto que, decorridos mais de 2500 anos, os filósofos ainda não foram capazes de responder definitivamente a uma série de perguntas feitas pela primeira vez na antiga Grécia. Essa afirmação, entretanto, precisa ser atentamente examinada. Precisamos investigar por que a filosofia não apresenta respostas conclusivas para as questões por ela mesma elaboradas. Em primeiro lugar, devemos examinar o significado da palavra 'utilidade'. Perguntar pela utilidade da filosofia é o mesmo que perguntar para que serve a filosofia. Segundo o filósofo francês Gilles Deleuze,
"os 'para quê' são vistos quase que exclusivamente sob o prisma da utilidade imediata, ou da produtividade mercantil e do benefício econômico. Esta grosseira utilidade regula os 'para quê', que devem ser medidos, quantificados e, sobretudo, rentáveis. (...) Neste contexto, as escolas trabalham, predominantemente, para que possam melhor satisfazer os 'para quê' socialmente reconhecidos; para que aqueles que passam por suas aulas possam inserir-se 'melhor' na sociedade e em suas leis de mercado. Para que 'saibam escolher' o que na verdade já foi escolhido por eles"8.
Será que é mesmo segundo esses critérios, que determinam o que é útil em função da eficácia para a obtenção de resultados imediatos, que devemos avaliar a utilidade da filosofia? Ou, inversamente, não será que a filosofia serviria justamente para questionar esses critérios de avaliação? A filosofia não pode ser avaliada em função dos mesmos critérios de produtividade e eficácia que servem de parâmetro, de um modo geral, para atestar o sucesso das engenharias, da informática ou da medicina. A filosofia, compreendida como pensamento crítico, é uma atividade constante, um caminho a ser percorrido, constituído sobretudo por perguntas que são mais essenciais do que as suas possíveis respostas. Por sua própria natureza, a filosofia transforma cada resposta em uma nova pergunta, na medida em que o seu papel é questionar tudo o que é pressuposto ou simplesmente dado. Por isso, costuma-se dizer que as perguntas, para o filósofo, são mais importantes do que as respostas. Segundo Deleuze,
"O que pode acontecer de melhor a muitas perguntas é não poderem ser respondidas definitivamente. Com outras perguntas, é a única coisa possível de acontecer. Porque são inesgotáveis ou, simplesmente, porque sua maior razão encontra-se na pergunta que propõem. E, embora se pretenda esgotá-las, como se se quisesse acabar com uma irreverente doença, reaparecem de vez em quando em lugares diferentes"9.
O caminho aberto pela filosofia, portanto, é marcado sobretudo por debates e controvérsias, e não por unanimidades e certezas. O método é a discussão das teorias propostas para resolver os problemas, a formulação de argumentos e a análise dos argumentos apresentados para atacar e defender essas teorias. Agora podemos ver com clareza por que filósofos diferentes podem oferecer definições tão diferentes da filosofia, e também por que as investigações filosóficas são freqüentemente inconclusivas: o problema de definir a si própria, assim como o fato das suas investigações não chegarem a resultados universalmente aceitos, indica algo da própria essência da filosofia - seu caráter crítico. A filosofia, desde as suas origens gregas, foi sempre um instrumento de crítica e reflexão acerca dos mais variados setores do mundo humano: as ciências, as leis, as instituições, as práticas sociais e econômicas, a organização política. Para que serve, então, a filosofia? Cito a filósofa brasileira Marilena Chauí:
"Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender e significação do mundo, da cultura e da história for útil; se conhecer o sentido das ações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes que os seres humanos são capazes"10.
Cristiano Lima
www.cristianolima.net