Fenômeno Psicopatológico.
Os fenômenos psicopatológicos, na abordagem fenomenológica existencial, são construções que o sujeito vai elaborando de acordo com o modo como ele experiência o mundo. É pré-reflexivo, singular e diz respeito ao mundo, ao vivido. Algo que afeta sobre modo o sujeito.
A partir dessas construções efetivadas por ele, a psicopatologia fenomenológica vai tentar compreender a natureza dos fenômenos vividos, o modo do sujeito estar no mundo. Esses fenômenos podem ter aí uma característica de adoecimento. Escolhas foram realizadas e um modo debilitado e limitado de estar no mundo pode ter sido engendrado. As patologias são, portanto, diferentes formas de estar no mundo.
Muitas vezes, o sujeito escolhe uma saída de adoecimento para preservar-se de si mesmo, de algo ou de uma situação. Isso ocorre quando os mecanismos de defesa reduzem as suas possibilidades e a sua liberdade, fazendo-o defender-se de algo e retornando sempre a ele sem possibilidades de ampliação. Forma-se então o círculo da repetição. O sujeito muitas vezes escolhe saídas que o possibilitem preservá-lo, mesmo que dentro de padrões e critérios rígidos, que ao final contribuem para tornar a sua existência limitada.
Segundo Tenório (2003) a psicopatologia se manifesta através de vivências de sofrimento, onde a pessoa vê paralisada a sua existência e experimenta a sensação de perceber a sua vida destituída de realizações e possibilidades. Nesse processo de sofrimento, a pessoa perde o contato com as possibilidades existentes no campo organismo/meio, percebendo a si mesma e ao outro de forma distorcida. Um outro aspecto de manifestação das psicopatologias diz respeito à desorganização da cronologia existencial.
Por isso autores como Augras (1986), acreditam que é necessário efetuar uma reconstituição das psicopatologias, a partir do estudo sobre a maneira como o indivíduo se situa em relação à vivencia do tempo e do espaço, uma vez que eles se afirmam como dimensões significativas do ser.
A psicopatologia fenomenológica existencial, vai tratar da relação saúde e patologia. Ela compreende que a existência do sujeito é saúde e patologia, ao mesmo tempo. Normalidade e saúde não são aspectos dicotômicos do ser. Tanto um como outro compõe o sujeito, são co-existentes e olhar um é olhar o outro, na mesma medida. Portanto, é necessário perguntar-se como o sujeito construiu a própria existência e a sua relação com o mundo. A questão é compreender como existe esse sujeito, ou ainda, como, por exemplo, esquizofrenicamente existe esse sujeito.
A pergunta vai, portanto se localizar na existência do sujeito. É importante saber como ele existe, a partir do que existe. Discutir a relação saúde-patologia é refletir sobre a existência do sujeito. Não há aqui a idéia de centra-se na doença, como se ela desse conta de explicar todas as construções do sujeito. Para a psicopatologia fenomenológica, o sintoma não dá condições de compreender o fenômeno psicopatológico. Trata-se, no entanto, de compreender a existência do sujeito na sua complexidade. Diz respeito à sua corporeidade, seu projeto de vida, seu modo de estar no mundo, dentre outras coisas.
A forma como se estrutura a existência do sujeito vai definir experiências advindas de fenômenos psicopatológicos. Os fenômenos psicopatológicos são privações, faltas, limitações da saúde. Não se trata da ausência dela. Saúde é a abertura de existir. Privação é limitação ou redução da liberdade de existir. A patologia é exatamente reter a possibilidade de saúde, utilizando mecanismos de defesa, caracterizados por fenômenos psicopatológicos, buscando preservar o si mesmo do sujeito.
Portanto, buscando compreender o fenômeno psicopatológico, o centro da reflexão vai buscar discutir as questões ontológicas do ser. Como se estrutura o sujeito? Como ele existe?
Considerando que a existência é pura possibilidade de ser, e depende de cada sujeito, não há cura, mas um processo de restauração, a partir do seu livre arbítrio.
A psicopatologia fenomenológica vai propor uma psicopatologia humana e antropológica.
O esquizofrênico, em sua psicose, tem perda da possibilidade de realizar a "transposição" do "eu" para o "tu", o "outro". A impossibilidade de "transposição" o põe em uma situação como se fora prisioneiro de seu "eu", e em constante ato de luta reflexiva. Finalmente, o conjunto de todos os acontecimentos do mundo girará ao seu redor. perda dos graus de liberdade", que consiste na impossibilidade de mudança facultativa do sistema de referência do "eu".
Fenômenos de falso reconhecimento (reconhecimento de pessoas, de coisas, de lugares etc.) e de estranhamento geral, são típicas expressões desta perda das propriedades fisionômicas específicas. o "eu" flexionado para o ponto médio do próprio mundo interno, faz com que não seja mais possível a "transposição". Vive-se operando sobre o mundo, uma vivência de onipotência, na mesma medida como o mundo é vivido operando sobre o indivíduo, uma vivência de impotência.
Quanto mais aumenta o processo de destruição, começam a relaxar-se a conexão das sensopercepções. Igualmente aumenta a vivencia de difusão dos pensamentos em forma de "vozes" perceptíveis que não podem ser reconhecidas como produções próprias. Assim como se debruça sobre o seu "eu", também a representação do mundo é vivida com referência a si mesmo, isto é, há uma ponte entre o mundo e o eu que o torna transparente a tudo e a todos. Até este momento se trata de uma maneira de manutenção da conexão de si para com a totalidade, ou seja, o mundo objetivo permanece como um contínuo do "eu", embora delirante.
Porém, com a evolução da esquizofrenia se rompe esta situação de conexão e continuidade que até aqui possibilitava um contato com os enfermos. Surge assim, a terceira fase, a apocalíptica. As fissuras da conexão sensoperceptiva progridem e assim as propriedades essenciais que diferenciavam as coisas entre si vão desaparecendo; uma inundação de "essências" é a conseqüência; perde-se a sintaxe dos gestos todos negando o campo total. Da mesma forma isto acontece no mundo vivencial interno do doente.
Como exemplo, temos a definição para a expressão "esquizofrenia": uma "psicose" com transtornos característicos do pensamento (perda da sintaxe, desagregação), maneira de comportar-se (adaptação deficitária), transtorno da vontade (sentimento de ser dirigido; falta de impulso), ambivalência afetiva, autismo no sentido de perda do contato vital com a realidade, percepção delirante. Acrescento, ainda as alucinações auditivas, embora Conrad as coloque como secundárias, juntamente com a catatonia.
O esquizofrênico
Cristiano Lima