Francisco
Cristiano Ferreira Lima
Renata Rolim
Silva
RESUMO
Este trabalho é
fruto da disciplina Psicologia e Cultura, do curso de Psicologia da
Universidade de Fortaleza, UNIFOR, e tem como propósito explanar acerca da
subjetividade e cultura pós-modernas, partindo das relações e do funcionamento
de uma Instituição total. Esta consistiu em um
colégio semi-interno para crianças e adolescentes do sexo feminino, com rotinas
e comportamentos pré-definidos. Nessa perspectiva, o
estudo em questão parte de um diálogo entre toda a sistemática das atividades
institucionais e os micropoderes relacionados, além da estigmatização da
identidade, visando uma melhor compreensão das diversas relações implicadas no
meio institucional.
Apresentação institucional
A instituição total visitada corresponde a um colégio interno para
crianças e adolescentes do sexo feminino, chamado Lar Nazareth – Piamarta, localizado
na Rua Euzébio de Queiroz, 2058, bairro Amador, no município de Eusébio, região
metropolitana de Fortaleza. Foi fundada em 8 de março de 1988, por padres e um
grupo de italianos, possuindo, então, 21 anos de fundação e assiste atualmente
185 adolescentes do sexo feminino, entre 7 e 16 anos.
O estabelecimento atende crianças provenientes da periferia de Fortaleza,
de famílias desestruturadas (alcoolismo, drogas, dentre outros problemas) e de
baixa renda. Para o ingresso de tais crianças, há um processo de inscrição e
seleção. A demanda á bastante alta, pois a escola é muito procurada pelos pais.
Assim, no intuito de complementar os objetivos do local em questão, foram
citados: proteger e abrigar crianças carentes, bem como oferecer-lhes amor e
carinho. Socialmente, trata-se de proporcionar um ambiente sereno e saudável
para o desenvolvimento da criança, ajudá-la a construir-se como ser humano
capaz de tomar iniciativas, além da orientação do comportamento nos aspectos
cultural, social e individual.
A área possui cinco casas para a acomodação das internas, de acordo com a
faixa etária, de maneira que cada casa possui uma ou duas responsáveis, as
chamadas educadoras, que domem na instituição e fazem revezamento entre si
durante os finais de semana.
Por meio de visitas semanais ao estabelecimento em questão foram feitas
observações pertinentes à cultura e subjetividade pós-modernas, no intuito de
conferir uma maior compreensão acerca das relações presentes na instituição.
Desenvolvimento
A
pós-modernidade destronou a era moderna de sua dominância, já que aspectos como
subjetividade interiorizada, psiquismo em conflito e reconhecimento pelos
próprios atos deixaram de ser norteadores da identidade e valorização do
sujeito. Entra em cena, então, um novo tempo, uma nova cultura fincada em
esferas diversas, com um objetivo maior: o progresso, o desenvolvimento de algo
a partir de uma ordem, tal qual o slogan
positivista de nossa bandeira verde - amarela.
Qual é a identidade do sujeito
pós-moderno? Sem dúvida, não se trata mais de um pedaço de papel, com uma
numeração seriada. Esse sujeito é atravessado pelo cruzamento de elementos como
tecnologia, consumo, imagem, corpo, dentre outros fatores responsáveis pela
composição da subjetividade de tal indivíduo.
Visando conectar a instituição em
questão, e suas relações com os sujeitos a ela vinculados, com as
particularidades pós-modernas, podem-se fazer algumas inferências importantes
quando se parte de uma observação atenta e participativa. Para ratificação do
exposto, é necessário tomar como exemplo o desejo de as meninas instituídas
parecerem com as garotas dos programas televisivos ou com “a mulher do outdoor”. Tal fato pode ser percebido
quando algumas das adolescentes instituídas falaram que utilizaram uma agulha
para, às escondidas, furar o umbigo e as orelhas. É o imperativo pós-moderno:
ser igual a todos, fazer o que todos fazem, querer o que todos querem, para,
dessa maneira, ser aceito, respeitado e, portanto, feliz. Para as referidas
meninas, relevante mesmo é possuir vários furos na orelha, colocar um piercing no umbigo (ainda que a instituição proíba) e
estar de acordo com a moda, o comentário do momento, o elogio tão desejado. Complementando
tal idéia, Santos (2000), salienta:
“O ambiente
pós-moderno significa basicamente isso: entre nós e o mundo estão os meios
tecnológicos de comunicação, ou seja, de simulação. Eles não nos informam sobre
o mundo; eles o refazem à sua maneira, hiper-realizam o mundo, transformando-o
num espetáculo. [...]”
Outro aspecto de extrema valia a ser
ressaltado é a respeito do que a instituição se propõe a ser: um lar. Que
significado atribuir a esse lar numa sociedade cujos laços familiares estão
enfraquecidos? Acerca do assunto, Santos (2000) afirma que houve uma deserção na família porque há muito
tempo esta já não é o foco da existência individual e em vez da família ser a
guardiã da moral, lugar de apoio psicológico etc, a pós-modernidade propõe
ligações abertas do tipo amizade colorida.
Nesse sentido, faz-se necessário
pensar acerca do fato de a instituição almejar ser um lar, local de vínculos
inquebrantáveis mediante o esfacelamento da importância dessa relação. Por mais
que a intenção seja a de tornar-se a segunda casa (ou até a primeira) das
meninas, o fosso dessa pretensão é instalado quando são olhadas as condições
rotineiras a que as meninas são submetidas: cumprimento rigoroso de horários
durante todo o dia, revezamento da limpeza de algumas partes do local, casa e
dormitórios separados por idade, além de usarem um fardamento com seu nome
bordado. Estes são apenas alguns dos exemplos que contribuem para distanciar a
ideia de lar da presente instituição. Esse lar conjuga uma série de obrigações
e normas de conduta e, portanto, não assegura às meninas um sentimento de
pertencimento. Talvez isso seja agravado pela ida para a casa de suas famílias,
aos fins de semana. Portanto, constituem-se duas realidades completamente
distintas, muitas das meninas relataram sentirem saudade de casa e chatearem-se
por, às vezes, “não ter nada pra fazer”. Então, se elas sentem-se mais à
vontade em suas próprias casas, apesar dos problemas, será mesmo adequado
chamar a escola de lar?
Constituindo-se a época pós-moderna como
um campo de diversas deserções (da família, do trabalho, do social, do político
e do ideológico), pode-se considerar a religião um tema bastante presente no
estabelecimento, já que se trata de uma instituição católica. Aos
sábados, há os encontros de Catequese e Crisma, que acontecem no colégio
Piamarta. Toda terça-feira há um padre que vem celebrar missa na instituição em
questão. No entanto, explana Santos (2000):
“O pós-modernismo, já se disse, é o túmulo da fé. [...] os indivíduos
procuram credos menos coletivos, mais personalizados (meditações, zen-budismo,
yoga, esoterismo, astrologia) e a transcendência divina acabará fechando por
falta de clientes [...]”. Dito isso, o autor aponta para a forma pós-moderna de
conceber a religiosidade, muito mais aberta, distante dos dogmas determinados
pelo cristianismo. Não se tem como acompanhar se as atividades religiosas
praticadas na presente instituição são, de fato, continuadas em casa. De
qualquer forma, a pós-modernidade já contaminou todos os grandes valores
modernos, com um destaque para a religião.
Fazer menção à subjetividade pós-moderna é falar essencialmente de uma
apelação incansável ao ato de consumir, é falar da tecnologia da informação,
extremamente presente na rotina do sujeito pós-moderno, é dizer, também, sobre
sua dimensão narcísica. Na presente instituição é proibido utilizar o celular,
o que causa extremo desagrado perante as meninas, já que essa pequena máquina é
quase um pedaço do corpo do sujeito pós-moderno, ficar sem ele é sentir-se
partido, incompleto.
A mídia seduz o olhar para a obtenção de um corpo invejável, de uma
aparência autônoma (um dia usa-se jeans
e cabelo cacheado, no outro, roupas leves e cabelo tipo channel). É um exagero de convocações para se abraçar
constantemente um novo estilo, um novo produto, uma nova identidade. Assim, o
narcisismo vai inflando, tornando-se cada vez mais o parâmetro identificador de
um sujeito envaidecido pela infinidade de possibilidades à sua frente, todavia
perfurado por um imenso sentimento de vazio e incompletude, mediante uma realidade
circundada por miragens. Muito do exposto foi constatado na fala e no
comportamento de algumas meninas, que demonstraram desejo do TER, SER,
CONHECER, além de sempre estarem preocupadas com a opinião alheia acerca de si.
Ainda com relação à importância da imagem, pode-se levar em consideração
como ocorre o processo de apadrinhamento na presente instituição. Um grupo de
italianos (financiador do estabelecimento) é responsável por mandar diversos
artigos de uso pessoal, bem como brinquedos para as meninas, é o chamado
apadrinhamento. Assim, são mandadas fotos e os nomes das meninas para a sede da
instituição na Itália, afim de que pretendentes a padrinhos possam escolher as
afilhadas. É interessante atentar para o processo de escolha, que tem na imagem,
na graciosidade e nas feições das meninas seus atributos mais prementes. Mas
esta é apenas uma parte do procedimento. No mês de agosto e setembro, o grupo
de italianos vem para o para o Brasil (férias européias), para conhecê-las. O
intuito é visitar a instituição, interagir com as garotas e escolher dentre
elas para o apadrinhamento. Os padrinhos mandam mensalmente uma quantia em
dinheiro para arcar com as despesas de sua(s) afilhada(s). O número de internas
por padrinho pode variar, dependendo da vontade do mesmo. Há um caso de 5
garotas diferentes terem o mesmo padrinho. Os que já possuem afilhada(s),
quando estão em Fortaleza, levam-nas para passear no shopping, para a praia,
compram roupas, mas isso depende do padrinho.
Considerações
Finais
O
desenvolvimento deste trabalho permitiu-nos entrar em contato com a realidade
de uma Instituição Total a partir da noção de formação educacional e
profissional para crianças e adolescentes do sexo feminino. As observações
efetuadas consistiram em relevantes experiências relativas à melhor compreensão
da dinâmica imposta às estudantes, perpassando as variadas relações de saber e
de poder implicadas, sob uma ótica foucaultiana, bem como a representação do
poder, a partir do conceito de estigma de Goffman.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GOFFMAN, Erving. Manicômios,
Prisões e Conventos, 1961 - Editora Perspectiva