A globalização trouxe uma série de mudanças em todos os setores do relacionamento humano. Basta olhar para o lado, ligar a televisão, ou caminhar pelas ruas para entender que as coisas estão diferentes. Isso graças a uma série de fatores, como o avanço das tecnologias, a democratização da informação, a quebra dos paradigmas, a queda das utopias ideológicas, o novo conceito de família, a liberdade de escolha, a aceitação da diversidade, a pluralização das opções, dentre outros. Tudo isso trouxe consequências importantes que ocasionaram mudanças tanto na forma de pensar e de se comportar das pessoas, quanto nas decisões estratégicas das empresas pelo mundo. Essas mudanças que tornaram imperativas para todo indivíduo ou empresa que quiser sobreviver, superar e vencer frente às turbulências e acontecimentos dentro desse fenômeno chamado vida.
A partir dessas mudanças, uma das competências mais importantes que toda empresa e indivíduo devem desenvolver no mundo atual é a Resiliência. Palavra originada da física, cujo significado resume-se na capacidade de um objeto retornar ao estado original após ter sofrido pressão, a resiliência hoje avançou em diversos setores como da Psicologia, Educação e Medicina. Apesar de compreendermos a amplitude do sentido e significado da palavra, uma das opções para sua análise se dá a partir da vertente Psicológica. Por esse espectro, a resiliência pode ser visualizada a partir de 3 interpretações. Na primeira, chamaremos de resiliente todo ser humano que tem a capacidade de superar, transformar e ressignificar sua vida diante de uma situação traumática. Na segunda, nomearemos resilientes pessoas ou empresas que conseguem trabalhar as mudanças de forma flexível e na terceira interpretação destacaremos que resilientes são aqueles que conseguem antecipar, alinhar estratégias e inovar, vislumbrando crescimento futuro diante das adversidades.
1ª Interpretação de resiliência: não acreditar nos insultos
“Pobres daqueles que acreditam no insulto e desconfiam do elogio”
Jorge Forbes
Sempre que vivenciamos uma situação traumática ou difícil, um dos principais pontos a serem observados é não deixar o insulto se transformar em regra para a nossa vida, não permitirmos que o trauma ou dificuldade domine a nossa mente, que não faça parte do nosso cotidiano sempre tornando presente o passado ferido. A palavra insulto vem do latim, “saltar sobre”, por isso quando vivemos com um insulto, acabamos interpretando a maioria das situações da vida a partir deste recorte de realidade, dessa marca em nossa subjetividade. É óbvio que não é fácil se descolar de um insulto, ainda mais quando está relacionado a uma situação difícil, como um sequestro, uma demissão, uma humilhação, ou uma doença terminal, mas sabemos que, não importa a situação, a pessoa insultada só irá superar se conseguir se descolar do insulto e transformar a vivência traumática em um aprendizado que a ajude a crescer e não se paralisar. Para aqueles que conseguem esta proeza, podemos chamá-los de resilientes. É o caso de Roberto Carlos Ramos, o famoso “Contador de Histórias”, que até os 12 anos de idade viveu os piores insultos que um ser humano poderia viver. Quando criança, Roberto foi abandonado pela mãe, foi para a FEBEM, sofreu violência verbal, sexual e física, e, diversas vezes, foi adotado e devolvido por supostos pais adotivos. Qualquer ser humano que tenha um pensamento lógico-racional, baseado na regra de que toda ação tem uma reação, poderia pensar que Roberto seria o maior marginal do Brasil. Porém, aos 12 anos foi adotado por uma francesa que lhe concedeu um recurso imensurável, denominado amor. Apesar disso, Roberto não acreditava no amor, pois para ele a única verdade era que um dia a francesa iria lhe expulsar de casa, assim como fizeram outras famílias. Por isso, acreditando que a situação boa terminaria logo, ele antecipou o trauma como forma de controle e defesa, com o intuito de evitar o sofrimento: alagou a casa da francesa. Após completar a tarefa, visando uma previsão ilusória, Roberto aguardava a expulsão, mas ganhou um abraço e uma confissão de amor – “Roberto por que está fazendo isso? Eu te amo” – Os dois choraram e ele se descolou do insulto. O resultado disso foi uma formação em pedagogia, a criação de diversos livros infanto-juvenis, a realização de palestras pelo mundo inteiro, o prêmio de pedagogo do ano, o lançamento de um filme biográfico e a adoção de 12 meninos de rua. Roberto Carlos Ramos é um herói resiliente, pois hoje conta sua história traumática, de forma cômica, leve e lúdica.
2ª interpretação de resiliência: flexibilidade no presente inusitado
“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”
Raul Seixas
Quantas vezes por dia você consegue perceber as mudanças ao redor do mundo? Quantas vezes você muda de estratégias para melhorar o seu trabalho? Quantas vezes na vida você toma decisões? Você costuma dar 110% do seu talento, energia e coração? Costuma fazer o melhor sempre? Você procura desenvolver soluções criativas e ousadas diante das surpresas da vida? Estas questões são fundamentais para entendermos que quando estamos resilientes temos maior abertura para avançar na vida, experimentando coisas novas, percebendo outras maneiras de executar uma mesma tarefa e desenvolvendo soluções criativas. Pessoas e empresas resilientes respiram inovação, nunca estão contentes com a mesmice e adoram arriscar no diferente. Um exemplo interessante de empresa que respira inovação é o caso da Unilever que quatro vezes ao ano lança um portfólio diferente de categorias de produtos, com formulações, fragrâncias, sabores e funções diferenciadas. É o caso do creme dental Close Up - White Now, que oferece brancura instantânea e gradual para o usuário. Este é um exemplo que destaca que as pessoas e empresas, para sobreviverem e se destacarem no mundo globalizado precisam e necessitam estar resilientes a todo o momento.
Seguindo essa linha, podemos dizer que estar resiliente é estar incomodado, e isso é extremamente importante para qualquer profissional, pois movimenta a energia para a constante atualização, busca por novas experiências e ideias diferenciadas. Pessoas e empresas resilientes sempre estão incomodadas em busca da perfeição, não se contentam com o básico, pois querem o excelente, mas isso não lhes causa paralise (parar por excesso de análise), não as impede de agir! É o caso de Steve Jobs, CEO da Apple, que destaca que “todo aspecto da marca deve ser tão bom quanto o produto”. Jobs é tão exigente que além de contratar os melhores profissionais do mercado, trabalha para que, do início ao final, o produto chegue às mãos do cliente e cause uma experiência emocional. O processo é tão criterioso que Jobs deseja que a experiência de abertura da embalagem de um Ipod seja única, sensorial e emocional.
Pessoas e empresas resilientes são focadas em seus propósitos e mesmo que os outros sejam contra, eles assumirão o risco. Um grande exemplo de resiliência que não se acomoda é o de Gonçalo Borges, brasileiro, palestrante, pintor e empresário que nasceu com má formação congênita. Impossibilitado de usar as mãos e tendo somente os pés como ferramenta de trabalho, Gonçalo foi pioneiro na criação e desenvolvimento de um veículo adaptado para dirigir com os pés. Na década de 70 todos os médicos do DETRAN eram contra a possibilidade de Gonçalo dirigir com os pés, mas felizmente, foi este além de qualquer insulto e flexibilizou sua situação com coragem e enfrentamento. Hoje ele colhe muitos frutos de suas batalhas, fazendo palestras de motivação em diversos países e demonstrando uma paixão pela vida acima de qualquer suspeita.
3ª interpretação de resiliência: se preparando para o futuro
“O mestre arqueiro acerta o alvo antes de lançar a flecha”.
Eugen Herrigel
Pessoas e empresas resilientes estão sempre “antenadas” com acontecimentos atuais e dê olho no futuro. Ao invés de aguardarem os acontecimentos correm na frente antecipando o destino. São mais preparadas porque planejam, desenvolvem estratégias e se algo sair diferente do planejado, tem maior capacidade e preparo para criar soluções.
Um exemplo muito interessante de antecipação, que Eduardo Carmello destaca no livro Resiliência, aconteceu com o banco norte americano de investimentos Morgan Stanley, principal inquilino do World Trade Center até 11 de setembro de 2001. O banco possuía 3 escritórios de emergência, com todo aparato técnico preparado para que os funcionários pudessem habitá-lo em questão de horas, caso houvesse algum dano no prédio. Além disso, eles faziam inúmeros treinamentos de emergência para que seus colaboradores estivessem capacitados para uma possível emergência. Muitos questionavam esta estratégia, considerando-a extravagante e de alto custo. Mas este questionamento durou até o dia 10 de setembro de 2001, porque no dia seguinte, às 8h47, exatamente 1 minuto depois que um avião atingiu a torre norte do WTC, o Morgan Stanley começou o processo de saída organizada de seus 2.700 funcionários do prédio, que se salvaram.
Essa é a marca da antecipação, do foco, do alinhamento estratégico necessários a todo ser humano e/ou empresa que tem a resiliência como um valor imprescindível. Aquele que antecipa seu destino tem mais firmeza de propósito, assume o risco da escolha porque tem princípios consistentes. Atualmente o que vemos são muitos profissionais e empresas que deixam a vida lhes levar, que culpam o mundo pelas suas derrotas e não assumem qualquer tipo de responsabilidade, muito menos algum tipo de antecipação, foco, ou alinhamento estratégico.
Por isso, tome cuidado para não se infectar com aqueles que acham que o destino está nas mãos dos outros.
O caminho da responsabilidade pelo desejo é muito mais difícil de assumir, porque incomoda, causa dor e dá trabalho. Porém, não existe felicidade mais resiliente do que saber que somos donos do nosso próprio destino, das nossas escolhas e para isso arcamos com as consequências da nossa liberdade.
Conclusão
Para finalizar, destacamos que o conceito de resiliência vem sempre imbuído da responsabilidade que cada empresa e/ou ser humano tem pelo seu destino, pela sua posição na vida. Ou seja, se eu não sou reconhecido no trabalho, se tenho poucos amigos, se os resultados não estão indo bem, se as metas não foram cumpridas, é preciso refletir qual a minha responsabilidade nisso tudo e o que posso fazer para melhorar. É lógico que dependemos dos outros no processo de trabalho para irmos adiante, mas como não temos poder para mudar os outros, é importante refletir o que eu posso fazer para melhorar as coisas dentro do meu trabalho e, principalmente, da minha vida.
Aqueles que estão sempre resilientes são conscientes de seu posicionamento na vida, sabem que culpar o outro não resolve nada, com relação as suas insatisfações e derrotas, e entendem que, como diria Geraldo Vandré - “... quem sabe faz a hora, não espera acontecer...”.
BIBLIOGRAFIA
CARMELLO, Eduardo. Resiliência: a transformação como ferramenta para construir empresas de valor. São Paulo: Editora Gente, 2008.
FORBES, Jorge. Você quer o que deseja?. Rio de Janeiro: Best Seller, 2003.
HERRIGEL, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. São Paulo: Pensamento, 1997.
LEANDER, Kahney. A cabeça de Steve Jobs. São Paulo: Agir, 2008.
Fonte: PORTAL EDUCAÇÃO
por: Rodrigo Barranqueiros Ramos