Dave é um adolescente. Popular, Dave joga futebol no time de primeira linha da escola, anda com os figurões, é forte, alto e faz sucesso com as garotas. Ele também é durão. Persegue e aterroriza Kurt em todas as oportunidades. Tanto que Kurt cogitou mudar de escola. Kurt é gay e, por sorte, encontrou um cara apaixonante que lhe deu forças para encarar Dave. Em uma situação de bullyng já corriqueira, Kurt decide revidar e fala umas boas verdades. No meio da discussão Dave surpreende Kurt com um beijo. Mas Kurt rejeita o segundo beijo e Dave se vai confuso.
Essa é provavelmente a cena mais surpreendente do seriado Glee, que foi ao ar em (09/11/2010), às 21h no canal americano Fox. O seriado é comprometido com a filosofia de educação inclusiva e em seu elenco principal há judeus, negros, latinos e orientais – minorias americanas. O seriado conta com atores com síndrome de down e o autor faz questão de ter personagens gays interpretados por atores heterossexuais e vice versa.
Mas a questão principal aqui é entender porque uma pessoa age como o personagem Dave. Qual a razão para alguém odiar e a motivação para coagir homossexuais? Deve haver várias razões e cada pessoa se relaciona de forma única com o mundo, mas algumas regularidades podem ser observadas em fenômenos comportamentais e, partido dessa perspectiva, propõe-se este post.
Um estudo realizado por psicólogos da Universidade de Geórgia, EUA, em 1996, comparou homens universitários em relação a seus sentimentos direcionados aos gays e sua excitação ao assistirem vídeos de sexo gay masculino. Os jovens primeiramente responderam a um questionário que dividiu a amostra entre homofóbicos e não homofóbicos. Foram classificados homofóbicos aqueles que responderam dizendo possuir sentimentos de aversão e interesse em coagir pessoas gays. Foram classificados como não homofóbicos aqueles que responderam não se interessar ou se incomodar pela orientação sexual das outras pessoas.
Depois a resposta sexual dos participantes foi medida enquanto eles assistiam a vídeos de sexo. Os participantes classificados como homofóbicos apresentaram resposta de excitação sexual ao assistirem filmes de sexo gay masculino, enquanto os não homofóbicos apresentaram excitação apenas diante de vídeos de sexo heterossexual ou homossexual feminino. Estes resultados sugerem uma questão intrigante: porque pessoas homofóbicas ficam excitadas ao assistirem sexo gay?
Murray Sidman, em seu livro Coerção e suas Implicações, publicado no Brasil pela Editorial Psy em 1989, faz uma análise comportamental dos mecanismos de defesa primeiramente apresentados por Sigmund Freud. Sidman propõe que os mecanismos de defesa são uma resposta natural das pessoas à coerção e apresenta a formação reativa como um desses mecanismos.
Para Sidman, a formação reativa tem a função de remover uma fonte de controle aversivo (veja mais aqui) e é caracterizada pela exibição de um comportamento oposto àquele que foi punido. Ela surge do conflito entre consequências positivamente reforçadoras e aversivas.
Dessa forma, fica fácil entender que uma pessoa, ao expressar suas primeiras tendências de interesse pelo mesmo sexo e, sendo fortemente reprimida e coagida por esta expressão, passaria a demonstrar uma tendência oposta ao comportamento que foi punido. “Quando somos fortemente impelidos em direção a uma ação que inevitavelmente trará um choque, uma maneira efetiva de nos impedirmos de fazê-lo é fazer o oposto” (p. 182). É o que acontece com nosso personagem Dave. Ao perseguir Kurt, ele provavelmente evita as consequências aversivas de expressar sua própria tendência homossexual. Evita essas consequências, podemos especular, por já ter sido exposto a elas – exibindo tendências ou o próprio comportamento.
A questão que se impõe a esta análise já foi adiantada por Sidman. “A formação reativa pode limitar nossas opções, impedindo-nos de nos expor a oportunidades de experiência e crescimento. Aqueles que aprenderam a reagir ao amor com fuga, a responder à generosidade com desconfiança ou a considerar a sexualidade impura, estão limitando a qualidade e a amplitude de suas vidas tão efetivamente quanto se estivessem fisicamente restringidos” (p. 183). Uma vez que somos pessoas adultas, muitos reforçadores já foram condicionados em nossa história de vida e dificilmente deixarão de exercer controle sobre nosso comportamento. Evitar o acesso a estes reforçadores representa, como disse Sidman, limitar nossas opções para sermos felizes. Estar junto de outro homem seria bom para Dave, reforçaria seus comportamentos. Porém também poderia produzir estimulação aversiva – o que explica sua formação reativa.
Uma sociedade menos coercitiva seria o terreno fértil para a expressão de comportamento positivamente reforçado e diminuição de comportamentos mantidos por esquiva. Em um mundo onde os Daves não são punidos, eles não precisam reproduzir sua homofobia contra aqueles que expressam sua homossexualidade livremente.
Sugestões de leitura:
Sidman, M. (1989). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy.
Adams, H. E., Wright Jr., L. W., Lohr, B. A. (1996). Is Homophobia associated with homosexual arousal? Journal of abnormal psychology, v. 105, n. 3, p. 440-445