Transtorno obsessivo-compulsivo

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O ator norte-americano Jack Nicholson interpreta no filme “Melhor Impossível” (As Good As It Gets), aclamado pelo público no ano de 1997, um homem chamado Melvin Udall. Melvin é um escritor solitário e grosseiro, que leva uma vida no mínimo peculiar. Quem assiste ao filme percebe claramente os principais sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo, o qual será denominado a partir deste ponto apenas pela sigla TOC. Melvin sofre deste transtorno, o que significa dizer que sua vida é delineada em função das manias que desenvolveu ao longo dos anos. Apenas a título de exemplo, Melvin tem, em seu armário do banheiro, uma dezena de sabonetes, uma vez que utiliza cada um apenas uma vez, jogando-o no lixo em seguida. Outra mania sua diz respeito ao número de vezes que precisa verificar se a porta está trancada antes de ir se deitar.

 A posição dos chinelos à beira de sua cama também deve estar precisamente correta, entre outras manias apresentadas pelo personagem. Embora provoque risos e surpresas, é fácil perceber, ao assistir o filme, como esse quadro psiquiátrico acaba por afastá-lo do convívio com outras pessoas, as quais o consideram um excêntrico, ou apenas uma pessoa muito esquisita, e isso vai trazer problemas mais sérios à sua vida. É uma sugestão de filme que vale a pena assistir para se compreender um pouco mais das características sintomáticas do TOC, embora esteja representada anedoticamente.

Do ponto de vista psiquiátrico, o TOC é caracterizado pela presença de obsessões, compulsões e/ou manias que causam profunda ansiedade e sofrimento. Obsessões podem ser definidas como processos mentais – pensamentos, ideias, impulsos e imagens – que são vivenciados como intrusivos, repetitivos e incômodos. Podem ser criadas a partir de qualquer evento mental, tais como palavras, medos, preocupações, memórias, imagens, músicas, pessoas ou cenas. Já as compulsões são definidas como comportamentos ou pensamentos repetitivos, intensos, que são realizados para diminuir o incômodo ou a ansiedade causada pelas obsessões, ou para evitar que uma situação temida venha a ocorrer, e estes acabam virando regras a serem cumpridas rigidamente.  

Assim, no caso do personagem Melvin Udall, mencionado anteriormente, sua compulsão por limpeza se dava pelo temor de contrair alguma doença, e o fator doença era, para ele, uma obsessão. É fácil perceber, portanto, como as duas situações se acompanham: desenvolve-se um quadro de obsessão por alguma ideia e um quadro de compulsão pode ser desenvolvido à medida que comportamentos para evitar a ideia obsessiva passam a ocorrer repetitivamente. 

Existe uma imensa variedade de obsessões e compulsões possíveis. O diagnóstico para TOC, entretanto, é feito quando as obsessões e/ou as compulsões causam profunda interferência nas atividades do indivíduo, ou as limitam, quando consomem tempo (pelo menos uma hora por dia para realizá-las). E quando passam a causar sofrimento e incômodo tanto para o paciente quanto para seus familiares. Assim como outras condições psicopatológicas, não existe um diagnóstico laboratorial para identificação deste quadro psiquiátrico, estando o diagnóstico vinculado apenas à avaliação clínica.  
Entretanto, é importante ressaltar que, apesar dos casos mais típicos de TOC em geral não serem de difícil identificação, trata-se de um quadro que faz fronteira com vários outros transtornos mentais, o que pode dificultar seu diagnóstico diferencial. Em geral, seus sinais e sintomas parecem seguir um contínuo entre os transtornos de movimentos repetitivos, que variam dos tiques simples à ideação obsessiva, formando um espectro de quadros patológicos que incluem, entre outros:

- Transtornos somatoformes: presença repetida de sintomas físicos associados à busca constante de assistência médica, sem que os médicos consigam encontrar algo anormal;

- Transtornos alimentares;

-Tricotilomania: distúrbio caracterizado por arrancar cabelos de maneira compulsiva e sem finalidade estética;

-Transtornos do controle dos impulsos: comportamentos repetitivos baseados no fracasso em resistir a um impulso ou à tentação em executar um ato que pode ser nocivo à própria pessoa ou a outros;

-Outras condições. 

Quando alguns sintomas do quadro de TOC passam a ocorrer em conjunto, esses sintomas podem ser agrupados e analisados como um único quadro. Assim, já foi possível estabelecer algumas categorias sintomatológicas desta condição psiquiátrica: obsessões religiosas, sexuais e compulsões relacionadas; obsessões de agressão e compulsões relacionadas; obsessões de simetria e compulsões de ordenação e arranjo; obsessões de contaminação e compulsões de limpeza ou lavagem; e obsessões e compulsões de colecionismo. É importante ressaltar, ainda, que a simples ocorrência de sintomas obsessivo-compulsivos não determina o diagnóstico do TOC. 
Eles podem fazer parte da apresentação clínica de outro transtorno primário, como depressões, esquizofrenias e demências. Podem também ser manifestações normais de determinadas fases da vida, como os rituais na hora de dormir observados na infância e outros rituais presentes durante a gravidez e puerpério, tais como pensamentos intrusivos sobre a saúde do feto ou rituais de verificação de bem-estar do recém-nascido. Por isso, assim como no caso dos outros transtornos psiquiátricos, torna-se extremamente importante o treinamento médico adequado para fazer o preciso diagnóstico de uma real condição de TOC.

Vários autores salientam que, no início do processo de instalação de um quadro de TOC, nem sempre os sintomas têm um caráter claramente classificável como obsessivo. No início, o TOC pode ser manifestado apenas como sintomas de ansiedade, principalmente fobias, ou como distúrbios do humor, com quadros depressivos ou certa disforia, acompanhada de tensão e irritabilidade. Acredita-se que tende a se instalar inicialmente entre a infância e o início da adolescência, persistindo na fase adulta. No entanto, ainda não existe um consenso sobre como determinar a idade de início do aparecimento dos sintomas. A maioria dos estudos existentes considera o surgimento dos sintomas como a idade de início do transtorno; outros consideram o início do incômodo causado pelos sintomas ou a primeira vez em que o paciente procurou ajuda profissional como a idade de início. 

Um estudo epidemiológico americano, entrevistando uma amostra populacional de 20.862 indivíduos, constatou que 64% dos portadores de TOC apresentaram início dos sintomas antes dos 25 anos de idade, e 74% antes dos 30 anos. Esses dados confirmam observações de estudos clínicos de que o TOC instala-se predominantemente na infância, na adolescência e no início da idade adulta. Para alguns pesquisadores, quanto mais precoce for o início do transtorno, maior parece ser a gravidade dos sintomas obsessivos, e pior tende a ser sua evolução. De uma maneira geral, parece haver uma grande demora entre o início dos sintomas obsessivos e a busca por tratamento. 

Alguns estudos indicam que esse tempo costuma ser, em média, de sete a dez anos. Essa demora talvez possa ser explicada, em parte, pelo caráter secreto e reservado dos sintomas, que faz com que os pacientes evitem ao máximo o contato com psiquiatras e só procurem auxílio quando a intensidade do quadro se acentue a tal ponto que os familiares e amigos precisem intervir. 

Estudos sobre a evolução dos quadros obsessivos demonstram que ela é crônica na maioria das vezes, sendo raros os períodos de remissão completa dos sintomas. Os sintomas obsessivos, ainda, apresentam flutuações, com períodos de melhora e piora, sem que ocorra remissão completa na maioria dos casos. 

Existem evidências de que, na fase adulta, o curso do TOC pode ser mais episódico e menos grave em mulheres do que em homens. Além disso, mulheres com TOC podem ter um início mais agudo do transtorno do que homens, o que facilitaria tanto o diagnóstico quanto o tratamento. No período da infância, entretanto, parece haver uma preponderância do transtorno em meninos. Alguns estudos epidemiológicos sugerem que o TOC seja menos raro do que se supunha anteriormente e, segundo a Organização Mundial da Saúde, é atualmente a décima causa de incapacitação no mundo. 

A influência de fatores genéticos na etiologia do TOC tem sido investigada por meio de estudos de famílias, estudos com gêmeos e, mais recentemente, estudos de genética molecular. Em vários estudos com gêmeos, as taxas de concordância de TOC entre gêmeos monozigóticos variam entre 53 e 87%. Enquanto para gêmeos dizigóticos elas variam entre 22 e 47%, sugerindo um componente genético forte para este transtorno, embora os fatores ambientais pareçam contribuir decisivamente para o seu aparecimento, uma vez que a concordância em gêmeos monozigóticos é inferior a 100%. Além disso, parece haver maior prevalência de TOC, sintomas obsessivo-compulsivos, Síndrome de Tourette (caracterizada pela presença intensa de tiques) e transtorno de tique motor ou vocal crônico entre familiares de pacientes com TOC, o que sugere um forte componente familial. 

Com relação ao tratamento empregado para quadros de TOC, e seguindo a tendência já manifestada e mencionada nos subtipos de ansiedade mencionados anteriormente, a psicoterapia aliada à intervenção medicamentosa parece ser a melhor escolha. A introdução de terapia do tipo cognitivo-comportamental parece induzir uma melhora dos sintomas, além de diminuir o risco de recaída após o término do tratamento medicamentoso. As drogas de escolha no tratamento do TOC têm sido na última década os inibidores da recaptação de serotonina, principalmente a clomipramina, a fluvoxamina e a sertralina. 

No entanto, o tratamento com tais medicamentos deve ser feito apenas quando os sintomas apresentam-se muito graves, ou quando houver risco de suicídio ou quadro depressivo muito pronunciado. Além disso, é importante ressaltar que, com os tratamentos disponíveis, muitos pacientes podem esperar melhora significativa ao longo do tempo, mas muito raramente ocorre a remissão completa dos sintomas.


Fonte: PORTAL EDUCAÇÃO -