Resistência e Disfunções de Contato

Esforços na direção do contato satisfatório não forem recompensados

A resistência na compreensão gestáltica, não pode ser considerada como uma barreira que impede o crescimento, estática, e que precisa ser removida. Precisamos ir além e compreendê-la como uma força criativa para administrar um mundo difícil. 

Podemos afirmar que todas as pessoas usam sua energia para obter um bom contato com o meio ambiente ou para evitar/resistir ao contato. Se sentirmos que o ambiente em que estamos será capaz de satisfazer os nossos esforços em direção ao bom contato, iremos confrontar o ambiente com vontade, confiança e até alguma ousadia. 

11122012123119atendimento psicólogo.jpgMas se nossos esforços na direção do contato satisfatório não forem recompensados, entramos num impasse com uma vasta lista de sentimentos perturbadores: raiva, confusão, futilidade, ressentimento, impotência etc. Estes sentimentos geram uma energia que precisa ser redirecionada, embora com uma redução da interação plena com a realidade. Estamos falando da interação resistente com a realidade que pode ser compreendida como uma disfunção no contato. 

Uma criança aprende a conter seu próprio choro quando ele provoca uma reação antagônica de seus pais. Como sua área de ação está restrita ao ambiente em que ela pode se mover, aceita as condições conforme as encontra e faz o melhor com aquilo que tem. Mais tarde, ela se torna menos limitada, podendo se afastar de casa, desenvolvendo um novo senso de liberdade e poder. Então, se ela mantém a imagem da infância sobre as consequências impressionantes das lágrimas, sem dúvida está presa no passado e será necessária uma nova força para soltá-la (Polster e Polster,, 2001: 68). 

Segundo Polster, existem cinco formas de interação resistente ou disfunções de contato: 
1) introjeção; 
2) retroflexão; 
3) projeção; 
4) deflexão; 
5) confluência.

O ‘introjetivo’ incorpora passivamente aquilo que o ambiente proporciona, sem ‘degustar’ aquilo que é incorporado. Literalmente, engole e não mastiga. 
A criança tem fome. Inicialmente alimenta-se pelo leite materno, aquilo que lhe é oferecido é por ela assimilado de forma a satisfazer suas necessidades. Ela confia no que aquele ambiente novo e desconhecido lhe oferece. Mais adiante seu organismo não mais se satisfaz com o leite e é necessária a introdução de papinhas, sucos, alimentos pastosos, frutas amassadas etc. E ela continua engolindo aquilo que lhe é oferecido, mostrando a importância que o ambiente tem em seu desenvolvimento e satisfação de necessidades. 

Ainda não é capaz de mastigar e transformar aquilo que lhe é oferecido em uma substância mais adequada à assimilação do seu organismo. O meio ‘mastiga’ para ela. 

Quando ela pode mastigar, aprende a reestruturar aquilo que entra em seu sistema. Entretanto, antes disso, ela engole confiantemente o alimento que lhe é proporcionado – e de um modo similar, engole também as impressões da natureza de seu mundo. (Polster e Polster, 2001: 86).

Se o ambiente no qual a criança se desenvolve é confiável, isto é, mais confiável do que frustrador, o material que ela recebe será nutritivo e assimilável. Mas, a este material assimilável, se juntam os valores e normas de uma dada sociedade e da família. E, a partir da aquisição da linguagem, a criança, inicialmente é tolhida de suas necessidades, de seu pleno desenvolvimento, para atender às exigências do meio... 

Você não deve falar isso! 
É sujo e feio evacuar! 
Você não pode ‘soltar’ gazes! É falta de educação! 
Fique quieto que não vai doer nada! 
Esta criança não tem jeito! 
Você não deve falar alto! 

A confiança da criança é esvaída pelos julgamentos e exigências externas que começam a impedi-la de satisfazer às suas necessidades. Desta forma a criança e, mais tarde o adulto, passa a ser orientado por este ‘corpo estranho’ que não corresponde de fato às suas exigências, mas às exigências do outro. 

Este ‘corpo’ carregado de valores assimilados sem a devida mastigação, costuma orientar aquelas pessoas no qual o mecanismo de contato com o mundo é realizado, ou melhor dizendo, muito pouco realizado em função das introjeções realizadas. Pessoas que utilizam este mecanismo em demasia continuam até os dias de hoje engolindo sem mastigar e sem poder cuspir e, possivelmente sofrendo de uma tremenda indigestão! 

As introjeções na fase infantil, caracterizam-se por uma relação com o meio de pouco contato, poucas trocas, mas de muita imposição e pouca possibilidade de diferenciação, embora a introjeção caracterize-se como uma forma genérica de aprendizagem. As pessoas que utilizam este mecanismo, abriram mão de seu senso de escolha livre na relação com o mundo. As escolhas passam a ser orientadas não pelo que sou – pois pouco sei do que sou – mas pelo que me disseram de como eu DEVERIA ser. 

A tarefa primária ao desfazer a introjeção é focar-se em estabelecer dentro do indivíduo um senso de escolhas disponíveis para ele, e estabelecer seu poder para diferenciar ‘eu’ e ‘eles’ (Polster e Polster, 2001: 89). 

No entanto, para desfazer a introjeção, muitas vezes, a rebelião é necessária, já que a pessoa passou uma boa parte da vida passivamente assimilando aquilo que o mundo lhe dá de forma mastigada e manipulando-o de forma a obter aquilo a que está acostumado a receber. A mudança, pois, pode ocorrer de forma pouco ordenada, mas enquanto mudança pressupõe uma reativação energética do próprio organismo para que ele possa voltar a ‘provar’ o mundo, degluti-lo ou vomitá-lo. Vomitar significa a descarga ‘dos indesejáveis corpos estranhos que precisam ser expelidos, mesmo que com o passar dos anos a pessoa sinta como se eles fossem próprios dela’ (Polster, 2001: 92).

Portanto, para que possamos contatar o mundo de forma plena e autêntica, o nosso primeiro passo é termos consciência do que está acontecendo conosco aqui e agora. Ao identificarmos obstáculos ao nosso crescimento, estamos, no mínimo iniciando um caminho para retomá-lo! 

Já o ‘retroflexivo’ costuma voltar contra si a energia que gostaria de colocar no mundo; fazer a si aquilo que gostaria de fazer aos outros; ou ainda fazer a si aquilo que gostariam que os outros fizessem. É claro que um mínimo de retroflexão é necessária evitando uma expressão ‘selvagem’ das tendências agressivas ou de todos os desejos eróticos de uma pessoa; é conveniente, no entanto, que modere seus desejos e sua agressividade de acordo com o meio em que se encontra. 

A retroflexão crônica estará na origem, principalmente das somatizações diversas: gastrites, úlceras, problemas dermatológicos e até o câncer; resultado de emoções não expressadas no momento apropriado e acumuladas ao longo da existência. 

A terapia consistirá em amplificar estas emoções e expressá-las, e em último caso, promover uma catarse libertadora que na situação terapêutica poderia se evidenciar na escolha de um ‘objeto transicional’ que represente aquela pessoa para a qual os sentimentos não foram expressados, levando o cliente a experienciar o compartilhar destes sentimentos. Vale ressaltar que muito dos comportamentos retroflexivos estão ligados à Culpa. 

Perls define a projeção como o inverso da introjeção, explicando que enquanto a introjeção requer atribui responsabilidade a si daquilo que cabe ao meio, na projeção atribuímos meio a responsabilidade por aquilo (sentimentos, crenças) que pertence a nós mesmos. Enquanto que na introjeção o self é invadido pelo mundo exterior, na projeção é, pelo contrário, o self que transborda e invade o mundo exterior. (Ginger, 1995: 135) 

Porém, também a projeção é necessária até como forma de facilitar o contato com o outro; dificilmente conseguimos compreender o que se passa no outro se não formos capazes de nos colocarmos de certa forma em seu lugar, o que nos leva a crer que a empatia se alimenta da projeção. 

A projeção patológica é demonstrada ao atribuirmos, habitualmente, ao outro aquilo que acontece em nosso interior. É comum que isto se manifeste na relação terapêutica quando o cliente atribui ao terapeuta certas características que lhe são estranhas. Porém aqui, diferente da neurose de transferência, este comportamento não é estimulado, mas assinalado, à medida que suas manifestações aparecem, confrontando a fantasia com a situação atual perceptível. 

Na confluência o self não pode ser discriminado em função da ausência da fronteira de contato. 

A criança pequena está em confluência normal com sua mãe, assim como os namorados encontram-se em confluência. Porém, para que o contato aconteça, é necessário este enlace e também o desenlace; aí podemos dizer que houve contato e não simbiose. Eu existo com você, mas existo também sem você. O confluente não existe sem o outro; ele é um prolongamento do outro. Quando esta separação se torna dificultada, então podemos caracterizar este comportamento de patológico.

Por outro lado, toda a ruptura brutal da confluência provoca uma intensa ansiedade que, em muitos casos, leva à culpa, quase insuportável, podendo até chegar à decomposição psicótica. 
Para Ginger (1995: 133), 

A atitude terapêutica consistirá especialmente em trabalhar nas fronteiras do self, no ‘território’ de cada um, com sua especificidade, com os limites temporais, com fluidez nas relações (...). Isso implicará um clima de confiança e de segurança suficiente, autorizando o ‘confluente’ a se emancipar sem o temor de se sentir abandonado ou ‘dissolvido’. 

Por fim, a deflexão constitui uma resistência caracterizada pela fuga, pela evitação do contato direto, com vistas à proteção do ego pelo contato com uma situação desagradável. Em alguns momentos, a deflexão pode ser um mecanismo de adaptação a uma situação nova e aparentemente ameaçadora, compatível com o mecanismo de negação proposto por Freud. Porém, a deflexão sistemática impede o contato verdadeiro e pode, em casos limites, evocar a psicose.

Fonte: Portal Educação