Perversão feminina e o fetichismo




O tema perversão passou por significativas alterações nos estudos de Freud. Podemos identificar essas mudanças em três modelos distintos. O primeiro modelo baseia-se no axioma da neurose enquanto o negativo da perversão. O segundo momento relaciona-se com a teoria do complexo de Édipo, núcleo das neuroses e também das perversões. Já o terceiro momento, define a recusa da castração como mecanismo essencial da perversão. 

Deve-se considerar a perversão como muito mais que simples desvios em relação a uma norma social, mas sim como conjunto de comportamentos psicosexuais na contínua busca de obter prazer. 

A tentativa de falar sobre perversão é, no mínimo, pisar num terreno escorregadio. Se, como base, tomarmos os textos de Freud podemos perceber que a mulher não se perverte, pelo menos não como o homem. Nos ensaios sobre a sexualidade infantil, Freud compara a sexualidade infantil a uma perversão polimorfa devido às várias pré-genitais da sexualidade infantil. Através do recalque de certos componentes, se transforma na sexualidade adulta. A perversão se caracteriza, então, pela fixação em uma determinada pulsão sexual. 

Sabemos que a formação do ideal do ego está diretamente ligada à ação do recalque, por isso ele impõe severas condições à satisfação da libido por meio de objetos. Qualquer estado que ponha em suspensão a ação do recalque promove a reinstalação das perversões. Isso porque põe em descoberto a ação de um outro mecanismo próprio da perversão – a Verleugnung. 

A perversão feminina não conota a mesma forma que a masculina e igualmente nem a maneira como uma e outra tomam o corpo como instrumento. 

O enigma do feminino aparece como configurando a causa da perversão, quando ele identifica o mecanismo próprio do perverso – o desmentido, o fetichismo passa a ser apontado como modelo dessa estrutura. Discute-se o fetichismo a partir da lógica fálica, operando com dois elementos básicos: de um lado, a impossibilidade de reconhecer a falta na mulher-mãe e, do outro, o objeto-fetiche, signo da castração materna, cuja função é tamponar a falta e proteger o sujeito contra a angústia de castração. 

No texto em que Freud fala sobre o fetichismo, entende-se que o feitiche acontece quando o individuo resiste ao recalque da angustia de castração ao perceber a situação de castração materna, ele revolta-se e desmenti essa castração (verleugnung). 

Assim, o sujeito substitui esse Pênis imaginário feminino por um outro objeto substituto, salvando-se assim do homossexualismo. 

No mesmo texto fica claro que o significado do fetiche só é conhecido pelo fetichista, o qual supõe a mulher como objeto sexual do fetiche. Então existe nessa situação um par, o perverso e o feminino. Sendo que na castração a menina não tem o pênis para salvar, portanto não existe ameaça, colocando-se então no lugar de objeto de gozo do outro. 

A mulher pode ser fetichizada, mas não fetichista. Ela é freqüentemente tomada como instrumento e objeto-causa da perversão, submete-se ao desejo do Outro. Na relação amorosa há um pacto de cumplicidade, de um lado, a mulher se oferece como objeto parcial para o homem e este, por sua vez, visa na parceira não a sua totalidade, 

mas sim os objetos que ele pode recortar do corpo feminino. Diríamos que ela causa o desejo no homem quanto mais pode despertar nele as fantasias perversas. 

O fato de a mulher não ser toda submetida à castração, torna-a um par ideal para o perverso pois, como este, ela também almeja um gozo além do fálico. Ela não ser fetichista não a impede de perverter sua libido, e de um modo narcísico. 

Masoquismo 

Segundo Freud, a inscrição do feminino na teoria psicanalítica se fez nas categorias da falta, da irrepresentabilidade, da castração, da passividade, do masoquismo ou das dores da maternidade. Estas categorias remetem às idéias pejorativas de ausência, humilhação e submissão masoquista. 

O masoquismo pode ser considerado como uma espécie de sadismo dirigido contra o próprio indivíduo. Muitos estudiosos consideram que o masoquista não busca apenas a dor, mas também a submissão, a degradação e outras formas de decomposição moral. Freud define três tipos de masoquismo: 

· Feminino - os fantasmas masoquistas significam “ser castrado”, submeter-se ao coito ou dar a luz. A castração é deslocada, deixando nos fantasmas "traços negativos", sentimento de culpa e cenas de punição para exprimir uma falta. Não está relacionado, nem com a mulher nem com a perversão sexual, e sim, ao masoquismo primário, pulsão de morte, onde se manifesta o prazer da dor. 

· Masoquismo erógeno - seria a angústia presente em todas as fases da organização libidinal e o que pode vir a se tornar uma verdadeira perversão masoquista, onde predomina o prazer da dor ligado a sua erotização. O prazer e a dor caminham juntos, pode existir prazer junto com a dor, e não somente o prazer do alívio, o prazer que quer fugir da dor. O masoquismo erógeno é o prazer da intensidade, o prazer do erotismo, o prazer que não se quer sem dor. 

· Masoquismo moral - diz Freud: “A terceira forma do masoquismo, o masoquismo moral, é principalmente notável pelo fato de ter afrouxado sua relação com aquilo que conhecemos como sexualidade. Todos os outros sofrimentos masoquistas levam consigo a condição de que emanem da pessoa amada e sejam tolerados à ordem da pessoa. No masoquismo moral essa restrição foi abandonada. O próprio sofrimento é o que importa; ser ele decretado por alguém que é amado ou por alguém que é indiferente não tem importância. Pode mesmo ser causado por poderes impessoais ou pelas circunstâncias; o verdadeiro masoquista sempre oferece a face onde quer que tenha oportunidade de receber um golpe”. 

Embora todos os tipos de masoquismo tenham bastante relevância, daremos ênfase ao masoquismo feminino. 

Freud chamou de masoquismo feminino uma entidade relativamente híbrida entre, um masoquismo erógeno – em que a função de um prazer sexual estaria diretamente ligada a um sofrimento físico previamente infringido e um masoquismo moral que consistiria basicamente na complacência perante punições, castigos e insucesso ainda que retroagindo fruições sobre a forma de ganhos secundários. 

Este masoquismo feminino seria assim uma figura de limbo entre a dor e a humilhação, relacionado diretamente com a passividade, fantasias masturbatórias, aspectos referidos a uma culpabilidade inconsciente expiada por procedimentos penosos e atormentadores. 


Freud, Sigmund. In : Edição Standart das Obras Completas. Rio de Janeiro. Imago. 1980. 

______(1927) "Fetichismo." Vol XXI 

Freud, S. (1924). Problema económico do masoquismo. In Obras Completas, Ed. Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago Editores.


Cristiano Lima