O Renascimento e os novos mundos - A mudança de mentalidade





A proeminência da ação sobre a contemplação, que afinal acabou por impor-se a partir do Renascimento, deveu-se a causas materiais relativamente simples de serem determinadas. Desde o século XIII, as cidades-estados italianas vinham conhecendo uma crescente prosperidade propiciada por seu intercâmbio mercantil com os portos do Levante e de outras partes do Mediterrâneo.
Veneza e Gênova mantinham importantes feitorias comerciais em Constantinopla, nas ilhas gregas do Egeu e nos portos da Síria, enquanto Florença, a beira do rio Arno, tornava-se um grande centro de tecelagem e das finanças da Europa medieval. Somente nela existiam, por volta de1400, mais de 70 casas bancárias, destacando-se a dos Médici como a mais importante e famosa. As operações de crédito envolviam não só a sustentação do crédito nas grandes cidades-feiras como também no apoio de monarquias, do papado e demais reinos espalhados por todo continente europeu.
Uma nova geração de novos mercadores, ativos , empreendedores, arrojados, brotou dos poros da sociedade feudal, organizando-se em grandes guildas, comerciando com produtos das mais diversas procedências e latitudes. Inventou-se a letra de cambio, a nota promissória e o cheque, fazendo do florim de ouro, a partir de 1252, uma das moedas mais cobiçadas do mundo de então.
O declínio do poder feudal, impulsionado pela vida urbana e pela difusão da artilharia e do arcabuz, cujos petardos destruíam as muralhas e as armaduras, fazia-se lentamente, enquanto o panorama cultural alterava-se a olhos vistos. Universidades passaram a ser inauguradas com regularidade em Bolonha, Mântua, Pádua, Pisa, Nápoles, Milão, etc...Soldados e guerreiros de aluguel, mercenários de todas as nações, conduzidos por condottiere, prestavam seus serviços a quem melhor lhes pagassem. A burguesia das cidades italianas não tinha afinidades nem gosto para com as armas, preferindo gastar suas energias conquistando novos mercados e obtendo bons lucros, do que desperdiçar sua vida em duelos e aventuras que não levavam a nada. Além do mais, a difusão da pólvora e da bombarda deixava bem pouco lugar para a peleja singular, para as justas de cavalarias, tão ao gosto dos cavaleiros feudais.
A conquista do mundo natural tomou grande impulso com os humanistas que, desde o tempo de Petrarca, davam ênfase cada vez mais crescente na importância do mundo real e não da ordem sobrenatural. As artes imediatamente sentiram o influxo dos novos ares. O rigorismo pétreo e desproporcional das imagens medievais, desde a época da Cimabue e de Giotto, cedeu lugar para a perspectiva e proporção, para o detalhado estudo das paisagens e das figuras humanas em movimento. Arte que terá em Leonardo da Vinci, Botticelli, Rafael e Miguel Ângelo a sua mais extraordinária expressão. A beleza e proporcionalidade do corpo humano voltaram, como nos tempos clássicos greco-romanos, a ser valorizados e admirados na sua plenitude.
Tudo isso veio acompanhado por um sempre ascendente sentimento de amor à vida e às coisas boas que ela pode proporcionar: o conforto, o luxo, a culinária bem temperada, as roupas elegantes, a bela decoração e o conforto, as bem trabalhadas e suntuosas fachadas e portões dos palácios. O empenho do mecenato em apoiar os artistas e os músicos e a idéia de poder perpetuar o momento magnífico que o patriciado vivia contratando pintores, arquitetos, escultores e decoradores para imortalizá-lo.

A liberdade do indivíduo


"Sabei que quem governa ao acaso acabará por se encontrar nas mãos do acaso” Francesco Guicciardini -“Ricordi potilitici e Civili" 1576.
Enaltecer o homem como criatura de Deus, feito à sua imagem e semelhança, foi uma constância na história da cristandade. Havia, porém, senões na medida que todo cristão também acreditava que, devido ao pecado original, o se comum havia perdido muito daquela dignidade primitiva. Também não foi exclusivo do Renascimento a glorificação humana, algo que já havia sido feita em vários momentos da cultura grega antiga. O que de original foi propiciado pelos autores italianos do século XV que é idéia da dignidade humana foi associada com a liberdade.
A dignidade do homem

Em 1486, o jovem filósofo Pico della Mirandola redigiu uma introdução em defesa de 900 tese que pretendia apresentar em Roma. Impedido pela Igreja e detido uns tempos na prisão de Siena, “O Discurso da Dignidade do Homem” (Oratio de Hominis Dignitate) só tornou-se conhecido dez anos depois, em 1496, quando foi publicado justamente na época em que Pico faleceu. O argumento dele era muito simples: Deus não deu ao homem, como as demais espécies, uma natureza fixa. Ao contrário, dotou-o de uma liberdade que torna possível a ele escolher. Podendo vir a inclinar sua natureza em direção às plantas e às bestas, sendo então passivo ou furioso, ou poderá elevá-la numa direção superior, aproximando-o dos anjos e das coisas divinas. Nas próprias palavras do filósofo:
“Eu não te dei” diz Deus a Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto próprio, nem qualquer prerrogativa só tua, para que obtenhas e conserve os aspectos e as prerrogativas que desejares, segundo atua vontade e os teus motivos.
A natureza dos astros está contida dentro das leis por mim escritas. Mas tu determinarás atua sem estar constrito a nenhuma barreira, segundo o teu arbítrio, a cujo o poder eu te entreguei, coloquei-te no meio do mundo. Não te fiz celeste nem terreno, mortal nem imortal, para que, como livre e soberano artificie, tu mesmo te esculpiste, te plasmasse na forma que tiveres, escolhido. Tu poderás degenerar nas coisas inferiores, que são brutas, e poderás, segundo o teu querer, regenerar-te nas coisas superiores, que são divinas”.( Pico della Mirandola – discurso de Deus a Adão in “Discurso sobre a dignidade do homem”, 1496)


Desta forma, o desejo de expandir-se em aventuras, no descobrimento de Novos Mundos, começa a fazer parte do homem renascentista. Nada está previamente determinado na Terra. A o contrário, tudo ainda resta por fazer: é o indivíduo que constrói seu próprio destino.

Os descobridores

Consta que foi na biblioteca do seu sogro, o navegador Bartolomeu Perestelo, que o piloto genovês Cristóforo Colombo, consultando alguns livros e mapas, tomou-se da idéia fixa de uma grande viagem pelo Mar Oceano afora. Ele havia naufragado nas costas de Portugal em 1476 e casando-se, resolveu lá residir. A sua imaginação foi definitivamente incendiada por um exemplar do livro de Marco Polo e pelo suposto encontro com um mapa ou carta de uma possível viagem à China alcançada navegando pelo ocidente. Em 1485 mudou-se para a Espanha e, finalmente, convenceu a rainha Isabel a que financiasse a arriscada empreitada que não lhe saía da mente.
Partindo do Porto de Palos em 1492, enfrentando o imenso azul à sua frente, ele encontrou na atual região caribenha um punhado de ilhas no dia 12 de outubro daquele mesmo ano. Apesar de realizar ainda três outras viagens, a última em 1504, não se deu conta de ter descoberto novas terras, um Novo Mundo. Morreu acreditando que tinha chegado as extremidades da Ásia, daí ter chamar as Índias aqueles arquipélagos por ele desbravadas.
Outro piloto genovês, Giovanni Caboto, que havia se estabelecido na Inglaterra em 1484, igualmente lançou-se pelo Mar Oceano, só que tomou o rumo mais para o Norte. Saindo de Bristol ele explorou as costas da Groenlândia, do Labrador e da Nova Inglaterra, numa grande viagem realizada entre 1497-8. Os seus serviços foram tão prestigiados pelos ingleses que inclusive, agradecidos, resolveram alterar-lhe o nome, anglicanizando-o para John Cabot. 
Fascinado pelos primeiros relatos de Cristóvão Colombo, um outro italiano, o florentino Américo Vespucci, um ativo agente de negócios, resolveu embarcar na primeira oportunidade que se oferecesse. Vespucci tinha recebido sólida informação humanista e , como tantos outros homens cultos daquela época, aprofundara-se nos estudos de geografia, astronomia e cosmografia. Em 1491, assumira a importante filial da casa de Médici em Sevilha, justamente o grande porto de onde partiam as grandes navegações espanholas para aventurar-se no oceano. De 1497 a 1502, Vespucci realizou quatro grandes viagens, dando-se logo ciência de que um Novo Mundo e não as Índias havia sido encontrado, Vespucci costeou a América Central, circulou pelo Amazonas e, em 1502, foi um dos que descobriu a baía do Rio de Janeiro. Também foi dele a dominação da região da Venezuela, pois viu que os indígenas construíram suas moradas sobre palafitas assemelhando-se a uma Veneza tropical.
O relato das viagens, publicado em forma de cartas em 1502, intitulado “Mundos Novus”, consagrou-o na Itália. Em Florença, quando chegou a notícia da descoberta das terras ignotas, a cidade festejou calorosamente durante três noites seguidas com todas as tochas acessas celebrando o extraordinário acontecimento.
A dominação do novo continente, dada inicialmente como Amerigem, “terra de Ameringo”, entretanto, não foi feita por ele mas sim pelo cosmógrafo alemão Martin Waldssemüller. Em 1506, quando contratado para fazer um mapa especial para registrar a descoberta daquelas terras, ele, lembrando-se do livro de Vespucci, não demorou em colocar na obra Cosmographiae introductio, que apareceu no ano seguinte, em 1507, o nome do viajante italiano, imprenso sobre a área que se supunha ser a do continente desconhecido.  

Cristiano Lima
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