Moral e Ética: Análise do Filme Um Ato de Coragem




Certas situações cotidianas fazem com que esbarremos em vários questionamentos sobre a nossa ação e nos perguntamos: Diante de tal situação, que atitude entre estas possibilidades eu devo tomar? O que devo fazer? Como o outro reagirá diante da minha decisão? Estes questionamentos nos angustiam porque temos a nossa moral e a ética, fazendo com que organizemos a nossa ação baseadas em normas que nós mesmos e a sociedade consideramos mais apropriadas e justas.
Para entendermos melhor como este processo de decisão se dá, é necessário compreendermos o que é moral e ética. Para isto nossa fundamentação teórica foi baseada no livro Ética de Vasquéz () e a partir deste foi possível fazer uma análise crítica do filme: Um ato de coragem.  
Mas o que seria a Moral? A palavra moral vem do latim mos ou mores, ou seja, costume ou costumes e segundo Vasquéz () trata-se de um conjunto de normas, princípios e valores dotados de um caráter histórico e social que uma sociedade define para si mesma. Portanto, a moral não é inata, inerente ao homem. Ela é fruto da consciência coletiva, das experiências individuais e culturais que foram se construindo durante a história da humanidade, levando-o a distinguir o bem do mal, o permitido e o proibido, no contexto em que vive. Assim, a moral surgiu da necessidade de respostas às necessidades da vida em grupo, sendo possível somente quando o homem se tornou um ser social e este ser social só existe se tiver regras.
Já a Ética tem origem no grego ethos, que significa modo de ser e para Vasquéz é uma ciência sobre o comportamento moral dos homens em sociedade visando orientar, mediar as relações entre os membros através de normas que garantam o bem-estar social. A Ética é teórica, crítica e reflexiva e por isto vem avaliar a moral humana, sendo seu juiz e após analisar, dita como o homem deve se comportar no seu meio social. O homem não pode agir em sociedade de acordo somente com a sua moral, sua educação, tradição, e a ética vem-se fazer-se para o sujeito consciente, para aquele que tem capacidade para conhecer a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado e responsabilizar-se. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética.

Portanto, a moral é internalizada e nos constitui como sujeito. A ética, com suas leis, nos permite compreender se a nossa moral encontra-se apropriada para a nossa relação em sociedade, porém isso não significa se vou concordar ou agir como a lei determina, pois a ação moral independe de ter ou não regras. No filme um ato de coragem, quando o pai se vê desesperado ao saber que o filho precisa urgentemente de um transplante de coração caríssimo, pois tem pouco tempo de vida, e que após mobilizar várias ações para conseguir o dinheiro necessário este não é o suficiente exigido pelo hospital, ele acaba por encontrar como melhor meio de obter o transplante seqüestrando o setor de emergência do hospital, tendo como refém o médico responsável pelo caso de seu filho e outros. Esse pai agiu de forma ética?
Embora a moral seja construída e internalizada de forma histórica e coletiva ela também é uma forma de comportamento relacionada com a consciência individual, podendo seus critérios chocarem-se com a moral de alguns da sociedade, como foi o caso deste pai desesperado para salvar a vida de seu filho. Ele não cumpriu com os valores da sociedade em que vive ao ameaçar pessoas e impedir-lhes a liberdade. Ele agiu de forma consciente e sabia que era responsável pelas conseqüências de tal ação, mas preferiu infringir a lei em nome do desejo em salvar a vida de seu filho, mesmo sabendo que seria julgado pela sua ação.
 Aqui temos um exemplo de consciência e de senso moral. Algumas pessoas poderiam julgar os valores, os atos desse pai desesperado e até achar que sua ação foi justa e admirável, mas para a ética, nem todos os meios são justificáveis. No campo ético há valores e obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, mas esse campo ético é diferente da moral, pois não lhe cabe formular juízo valorativo, mas sim explicar as razões e proporcionar a reflexão, contribuindo para a estabilidade da ordem social.
Outro fato que nos chama a atenção no filme um ato de coragem é sobre o comportamento do médico. Ele negou-se a realizar a cirurgia que seria urgente e decidiria pela vida de uma pessoa, pelo fato deste não ter condições de pagá-la e age de forma fria. Sabemos que todo grupo de profissionais possui um Código de Ética com normas de conduta próprias ao exercício profissional que mantém a credibilidade do grupo em questão, porém muitas vezes na prática há situações conflitantes que não basta aos profissionais recorrer a códigos e leis. Como colocar a vida humana em primeiro lugar se a realidade social não fornece condições para que este ato médico seja acessível a qualquer vida humana?
No caso do filme o transplante era totalmente inacessível para aquela família, não havia recursos públicos que dessem suporte a tais necessidades e não bastaria julgar o ato do médico por uma norma ou regra de ação, pois seria preciso saber das condições concretas nas quais o ato acontece, a fim de verificar se existe a possibilidade de opção e de decisão necessárias para que se possa imputar a responsabilidade moral, mas a forma fria como o médico lidou com aquele pai, mostrou que o mínino que ele poderia fornecer era o respeito à dignidade do ser humano (suas crenças e valores), amor ao próximo e não só a impossibilidade congelante e amarga de fornecer seus conhecimentos técnicos para salvar a vida daquela criança.
A adesão aos valores, normas e regras de condutas já encontravam-se na história da Medicina e com o progresso das sociedades e reformulação de suas leis deu-se o progresso da moral. Este se dá na evolução da humanidade, onde Vasquéz afirma que esta evolução se faz de três formas: primeiro pela expansão do próprio aspecto moral na vida social, quando as relações entre os indivíduos passam a se dá dentro do padrão moral intimamente assumido por cada membro da sociedade e tido como certo e coerente para essa sociedade, sem a necessidade de uma norma externa que obrigue o grupo a agir de forma mais coerente ao coletivo. Segundo, pela elevação do caráter consciente e livre do comportamento dos indivíduos ou dos grupos sociais e, conseqüentemente, pelo aumento da responsabilidade desses indivíduos ou grupos no seu comportamento moral. Terceiro, quando há uma aproximação entre desejos individuais com as necessidades coletivas.
Quando transferimos decisões estritamente individuais, internas, para o Estado, retrocedemos, mas há casos que o padrão moral interno assumido por cada membro da sociedade não dá conta de fazer o grupo agir de forma coerente surgindo a necessidade de uma norma externa que obrigue o grupo a agir da forma mais “correta”, cumprindo regras pelo bem maior do coletivo, assegurando a segurança da maioria dos membros da sociedade. É nesse momento que entra em cena as normas ditadas pelo Estado e pelo comportamento jurídico, pregando uma conduta obrigatória e devida, mas as normas morais se cumprem pela convicção íntima de cada um dos indivíduos e as normas jurídicas não exigem essa convicção íntima e adesão interna. O indivíduo inserido naquele contexto social deve cumprir a norma jurídica, ainda que não esteja convencido de que é justa, há o dispositivo externo que o obriga a cumpri-la.
Numa mesma sociedade pode haver várias morais: uma favorável ao Estado e outra contrária. Assim, fazendo outra relação com o filme Um Ato de Coragem, após ter sido realizado o transplante do filho, o pai teve que “pagar” sua conta com o Estado de acordo com as leis daquela sociedade e acabou sendo preso. A sociedade poderia até inocentá-lo moralmente, mas o Estado e suas leis não o inocentaram.
Mas qual seria a essência da moral? Para isto temos que falar dos planos normativo e factual. Uma norma regula o comportamento individual e social ideal do homem, precede e não existe independentemente do fatual, ou seja, as regras de ação necessitam dos atos humanos e estes dependem das trocas do homem em sociedade. Estes atos serão considerados coerentes se cumprirem as normas e serem incoerente se violarem tais normas. Se não cumprimos uma norma esta continuará exigindo que seja posta em prática e orienta-se no sentido do fatual; mas o ato só ganha significado moral quando pode ser avaliado diante de uma norma, fazendo-o ser considerado positivo ou negativo.
Um ato moral tem um motivo, uma decisão pessoal, emprego de meios adequados, resultados e conseqüências. O motivo que levou o pai a sequestrar pessoas foi a urgência em salvar a vida do seu filho (obter o transplante cardíaco). Ele tinha consciência do fim e decidiu realizar tal ato violento e ilegal no hospital. Agora vem um aspecto fundamental que é a consciência dos meios para realizar o fim escolhido e o seu emprego para obter  finalmente, o resultado desejado. O pai optou pelo sequestro, planejou sua ação e conseguiu o resultado (transplante), mas este fim não justificou os meios utilizados.
O ato moral apresenta um aspecto subjetivo (motivos, consciência do fim, consciência dos meios e decisão pessoal), mas, ao mesmo tempo, mostra um lado objetivo que transcende a consciência (emprego de determinados meios, resultados objetivos, conseqüências). Por isso, a natureza moral do ato não pode ser reduzida exclusivamente ao seu lado subjetivo. Assim, seu significado moral não pode ser encontrado somente nos motivos que impulsionam a agir, pois se assim fosse o ato do pai seria aprovado.
As intenções não podem ser isoladas dos meios e dos resultados. O agente moral deve responder não só por aquilo que propõe realizar, mas também pelos meios empregados e pelos resultados obtidos. Nem todos os meios são moralmente bons para obter um resultado. Os meios utilizados pelo pai não foram moralmente adequados.
 Portanto, o ato moral não pode ser reduzido a um dos seus elementos, mas está em todos eles. Embora a intenção preceda o resultado, a qualificação moral da intenção não pode prescindir da consideração do resultado. Por sua vez, os meios não podem ser considerados sem os fins, e tampouco os resultados e as conseqüências objetivas do ato moral podem ser isolados da intenção, porque circunstâncias externas imprevistas ou casuais podem conduzir a resultados que o agente não pode reconhecer como seus.

 Cristiano Lima