Dependência Química e Sociedade


DEPENDÊNCIA QUÍMICA E SOCIEDADE


RESUMO

A Psicologia e Cultura remete-nos a um estudo retrospectivo, visando um melhor entendimento da nossa sociedade atual. A partir da demanda dessa disciplina de uma pesquisa qualificada, foi possível desenvolver um artigo que falasse da dependência química e suas raízes culturais. Partimos do estudo de como iniciou nossa cultura, das formas de ver o conceito cultura e como essa sociedade de consumo começou. Investigamos profundamente os estudos e estudiosos que fizeram sua contribuição desde a ascensão do Estado Moderno até o Pós-Modernismo. Vemos que o teocentrismo dá lugar a um antropocentrismo, colocando o homem no centro de tudo. Passamos, assim, a estudar nós mesmo e começamos uma tentativa ininterrupta para nos entendermos. Comprovamos que a sociedade de consumo gera todo esse descontrole e que os usuários de drogas são vítimas desta estrutura de sociedade. Fazemos uma associação com a disciplina de Práticas IV realizada no Instituto Volta Vida e conseguimos entender um pouco mais sobre as dificuldades e barreiras do tratamento de diversos tipos de usuários e drogas.                                                 

  
Palavras-chaves: Psicologia e Cultura, Dependência Química, Drogas.

INTRODUÇÃO

Esse trabalho foi escrito como uma demanda da disciplina de Psicologia e Cultura, com o objetivo de situar a pesquisa de campo realizada na disciplina de Prática Integrativa IV e a teoria do modernismo e pós-modernismo estudada em sala de aula.
Optamos por fazer a pesquisa com a doença da dependência química, por essa ser de grande comprometimento social e cultural.  É interessante que haja Instituições que trabalhem com a temática dessa doença, pois ela tem sido responsável pelo aumento no índice de criminalidade, tornando-se responsabilidade social. Atualmente há uma grande preocupação em relação a esse assunto, existindo vários métodos de prevenção e tratamento ao uso de drogas.
            O campo foi realizado em uma Instituição privada, situada no Bairro Lagoa Redonda, na zona leste de Fortaleza, onde há predomínio de jovens de classe média e classe média alta. O Instituto Volta Vida, escolhido por nós para desenvolver esta pesquisa, é um local onde as pessoas que sofrem com a dependência química podem aprender, através de um tratamento de internação, que é possível viver sem drogas, fazer escolhas mais sábias, mais amorosas, que resultem em uma melhor qualidade de vida.
Para escrever o presente trabalho, realizamos uma pesquisa de cunho etnográfico. Foi realizada pesquisa documental, observação participante no Instituto e entrevistas com os profissionais e internos.
            O decorrer do trabalho abordará brevemente sobre a Idade Média, o Modernismo e o Pós-Modernismo, seguindo-se de uma associação dessa teoria com a prática da doença da dependência química incluída na sociedade.


Idade Média, Modernismo e Pós-Modernismo

            Na Idade Média, os peregrinos não se desprendiam das fronteiras da verdade e buscavam a confirmação desta. Eles viajavam procurando encontrar o mesmo, indo da mesmice ao mesmo, nada mudava.
            Platão acreditava que a essência precedia a existência. A essência era o real propriamente dito, o divino e imutável. Já a existência era considerada o efêmero, mutável, a particularidade destituída de universalidade. Dividia, também, o mundo em verdadeiro e falso. O verdadeiro era o transcendente, o mundo do ser, da essência (Idade Média). Enquanto que o falso era imanente, sensível, o mundo das aparências. No mundo falso estavam as cópias da verdade e, dentre elas, existiam as cópias “boas” (Modernismo), consideradas o bom gosto, e o simulacro (Pós-Modernismo) que seria a cópia falsa, relacionadas à visão da massa.
O ascetismo via o corpo como separado da alma, onde a alma era superior e imortal, pois, com a morte do corpo, esta se encontraria com a verdade liberta da carne.
            A Modernidade tem como marco histórico a Revolução Industrial, ocorrida na segunda metade do século XVIII, encerrando na transição do feudalismo para o capitalismo, o que possibilitou a unificação das comunidades. Com o capitalismo instaurado, o poder deixa de estar retido na nobreza e passa a ser possível à todos, surgindo, assim, a burguesia (atual classe média).
Este século ficou conhecido também como o “século das luzes”, do predomínio da razão, época dos Iluministas. Eles questionavam a autoridade da Igreja, o teocentrismo, fazendo surgir o antropocentrismo, o homem como centro.

“Os iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição de tornar este mundo um mundo melhor - mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do engajamento político-social. (Reill, Peter Hanns)”
  
No início dos tempos modernos, os navegadores atribuíram um novo sentido ao descobrimento, o mesmo passava a ser entendido além do mero acaso factual. A viagem moderna busca, através do reconhecimento da existência do outro, a diferença, o desconhecido.  Dois pontos fundamentais, do sentido atribuído ao descobrimento na modernidade, são a universalidade e o espírito crítico. Essa universalidade seria a diversidade de singularidades e o espírito crítico seria a capacidade de criticar e duvidar a singularidade do outro.
Os descobridores são pessoas curiosas e questionadoras, nos quais afloram a imaginação, que vive do outro. Através da imaginação, surgem utopias que complementam o racionalismo presente no homem moderno. O imaginário cria as utopias e o mito do bom selvagem. A utopia é inventada pela própria sociedade, no entanto, é exterior a ela. O bom selvagem é o reverso do homem novo, o que falta a ele, o que ele não é. De certa forma, o imaginário vive da negação do outro que o gerou.
A idéia de descobrimento leva à comparação com o outro (entre culturas, povos, raças distintas, por exemplo) o que gera transparência. Essa transparência decorre da alteridade, do reverso, das diferenças. A partir da diferenciação diante do outro, o homem novo destacará suas características diferentes, o que consistirá em sua identidade.
As bases teológicas pretenderam universalizar as diferenças, estabelecer um modelo comum a ser seguido. Os nominalistas vieram romper com os teólogos, ao negar os universais. A partir de então, criou-se um novo modo de compreensão do mundo, baseado na consistência do real, na inexistência de um universal concreto. Por conta dessa inexistência, nada mais poderia ser afirmado como certeza e, através dessa incerteza, é que surgiram os navegadores.
Diferentemente de Platão, os nominalistas acreditavam que a existência (realidade) precedia a essência (que seria, metaforicamente, os dicionários, a realidade abstrata).  
O nominalismo associa-se, também, ao fim da monarquia e início da democracia. Os líderes monárquicos tinham seu poder apoiado pela Igreja, ao romper com a teologia e com a idéia de poder hereditário, os nominalistas promoveram aos burgueses, a partir de uma existência produtiva, a criação de uma boa essência para conseguir chegar ao poder, implantando a democracia. 
Com o nominalismo há uma mudança na arte. No tempo medieval, a arte representava a realidade, através de pinturas do real, de pessoas, família, entre outras coisas. A arte moderna vivencia a crise da representação, onde o artista passa a interpretar livremente a realidade a partir de uma visão pessoal.  
             No modernismo, o corpo, considerado inferior à alma pelo ascetismo, ganha uma nova conotação. Esse corpo passa a ter grande importância e a ser relacionado ao prazer. Ocorre certo investimento neste, promovido pela saúde e estética, para aumentar a longevidade e a juventude. Revela-se, assim, um caráter descobridor nesse corpo que desconstrói uma visão antiga e já estabelecida.
            A partir de descobrimentos, criam-se as máquinas e aprimora-se a tecnologia. A máquina passa a fazer parte do corpo, pois amplia e torna mais ágil suas funções. Porém essa maquinaria provoca, ao mesmo tempo, evolução e “escravidão”, desenvolvimento e alienação. Com o desenvolvimento do capitalismo, a máquina ganha tal importância que assume o papel do homem em muitos setores, transformando o trabalhador em parte da máquina, provocando a desumanização.   
            Com todas essas mudanças, o novo homem cria o novo mundo. Esse novo homem é fruto do capitalismo, preocupa-se com o ter, consumir, produzir. É um homem que se preocupa com a aparência física, com a juventude.
            A Pós-Modernidade inicia-se na segunda metade do século XX, sendo caracterizada pela revolução técnico-científica. É uma época de grandes transformações nas ciências, nas artes e nas sociedades, em que ocorre uma expansão do consumo, da comunicação de massa e da individualidade, rompendo-se com as utopias modernistas. 
            Fazendo uma evolução da motivação humana, o homem passa da importância ao “ser” na idade média onde a essência precedia a existência, para o “ter” no modernismo onde a existência produtiva precede a essência e depois o “parecer ter” no pós-modernismo onde predomina o simulacro.
            O mundo pós-moderno gira em torno da cultura do prazer, do lazer, da felicidade a qualquer custo. Os homens estão superlotados de afazeres, sem tempo para nada, e tendo sempre que aparentar estar bem, estar feliz, que curtir. Não se permite mais ficar triste, vivenciar experiências negativas e senti-las. O nível de depressões está cada vez mais alto e, conseqüentemente, o consumo do Prosac aumenta.
            A arte pós-moderna inicia um movimento de anti-arte, diferenciando-se da arte moderna. Nela há uma apresentação da vida como ela é. A arte não mais é realizada em lugares fechado, ela passa a se estender às ruas, aproximando-se, assim, das massas populares.    

Dependência Química

            A adicção, ou dependência química, é uma doença que possui raiz mental (obsessiva) e física (compulsiva), e atua em todas as áreas (mental, física e espiritual) do indivíduo. É uma doença progressiva, incurável e fatal na qual o adicto, portador da doença, ao utilizar a primeira dose da droga, torna-se obsessivo e passa a sofrer de compulsão. O processo de recuperação é difícil e requer um grande empenho, pois a dependência química é uma doença na qual não há cura, ela apenas estaciona.   
            Através de visitas e entrevistas realizadas em campo, podemos perceber que, normalmente, o uso da primeira dose da droga se dá pela necessidade de fuga de algo, pela busca de uma satisfação imediata. E que, geralmente, ocorre quando ainda na fase jovem.
            Diante de todo o imediatismo pós-modernista, a necessidade de ser feliz e demonstrar felicidade a todo instante pressiona o jovem a “dar conta” de tudo ao mesmo tempo. À medida que este tem que se desenvolver profissionalmente, adquirir responsabilidade além, também, da diversão muitas vezes, por não conseguir lidar com esse paradoxo de compromissos, busca um refúgio nesse mundo ilusório (drogas).  
Procura, através do consumo de drogas, o preenchimento do vazio que sente, no mundo das exterioridades ou das aparências. Busca uma solução para continuar vivendo a vida “sem problemas” do homem pós-moderno. Muitos jovens usam a droga na tentativa de inserir-se no grupo social em que vive ou deseja. Para encaixar e ser reconhecido procura se igualar ao grupo.
O uso de drogas pode estar relacionado, também, à necessidade de consumir da nossa Sociedade do Consumo, de “coisificar” e consumir a felicidade. Do mesmo modo que o consumidor alienado e compulsivo busca nos objetos manter-se na superficialidade, o dependente busca na droga uma forma de evitar pensar em suas crises e questionar-se.
Remetendo-nos um agora ao corpo desse dependente químico, podemos fazer certa relação entre o modernismo e o pós-modernismo. No modernismo, a figura do “maluco beleza” de Raul Seixas, apresenta um corpo relaxado, sem preocupações, o corpo ideal
. O pós-modernismo vem acabar com as ilusões antes tidas como ideais no pensamento moderno: a valorização da arte, da História, o desenvolvimento e a Consciência Social. No pós-modernismo instala-se a idéia do niilismo, ou seja, o nada, o vazio, a ausência de valores e sentido para a vida. É a partir desse vazio, da necessidade de preencher-se com algo que surgem os usuários das drogas. Atualmente ouvimos falar que o êxtasy, a cocaína, dentre outros, nos proporciona uma sensação de vitalidade, de corpo sarado, de poder. É nessa busca que nos perdemos dentro dessa sociedade de consumo e acabamos por nos tornar perseguidores incansáveis da vitalidade/felicidade imediata e, nas drogas, há a ilusão de que a encontramos.
            O dependente químico se mantém usuário, pois a ilusão de felicidade é realmente possível durante o uso e quando se dão conta de que não estão mais impregnados e que a realidade não é bem o que eles querem viver acabando reforçando esse uso continuamente, pois não há nada mais confortável do que manter-se sempre “feliz”. É por conta dessa busca incessante que o consumo acaba aumentando levando uma simples dificuldade de resolver uma problema à um nível de problema insolúvel.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo tem como objetivo demonstrar como todos os nossos desafios atuais vêm de um longo processo histórico, no qual participamos e fizemos ser como foi, porém nos tornamos também alvos dele.
Com as novas definições de descobrimento, os navegadores conseguiram, mesmo considerados insanos na época, desvendar os mistérios dos mares. Fizeram, assim, o surgimento das novas civilizações. A partir do novo, agora antigo, conceito de Modernidade, o homem definiu-se como o foco de estudo e passou a investigar-se minuciosamente. Já não se via mais uma verdade única e Deus passou a não ser mais o único a definir a noção de vida. É nessa tentativa de nos entender e desvendar nossos caminhos que conseguimos por um fim nos ideais modernistas e passamos a ver que a realidade que nos cerca está muito longe da perfeição e da definição de felicidade na qual buscamos.
Com a necessidade dessa busca incessante para complementar-se, acabando com o vazio dentro dele, o homem passou a buscar rotas de fugas de seus problemas surgindo, assim, os usuários de drogas.
As drogas atualmente são partes da nossa sociedade e permitem aos seus usuários, mesmo que por alguns instantes, a sensação de felicidade tão procurada. Por não durar muito, a busca da sensação vivida naquela ilusão leva-os a viciar-se e o descontrole é instalado.
Não sendo fácil a descontaminação os adictos ao perceberem que tudo tem um lado ruim, começam a sentir os efeitos nocivos da drogas, sendo necessária a busca de ajuda para combatê-los. É, a partir dessa necessidade de voltar para a realidade que, por mais dolorosa e confusa que seja, foi feita por nós que surgem os institutos de ajuda aos dependentes químicos. Estes institutos ajudam os usuários compulsivos de drogas à se restabelecerem e os ensinam a combater todas as armadilhas da nossa sociedade consumista.
Vemos através dessas considerações que atingimos o alvo de nossa pesquisa e que conseguimos estabelecer a articulação desejada por nós no início do artigo.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Criistiano Lima